Marcel Bursztyn*
Nesses dias em que as atenções mundiais se concentram sobre a tragédia climática prenunciada, alguns fatos chamam a atenção. O primeiro deles é, sem dúvida, a notável mobilização da mídia. Graças a ela, estamos sendo informados sobre o andamento das discussões e do lançamento de novos estudos e dados. Todos alarmantes. Parece também ter havido uma estratégia de cientistas, que justamente nesse momento divulgam os resultados de suas pesquisas, em ritmo tão intenso que fica difícil digerir tanta informação. Uma constante é o crescente pessimismo: a cada relatório, as previsões são mais sombrias.
Copenhague parece estar sendo pequena para abrigar tamanha diversidade e quantidade de representações. Mais de 190 países presentes, sendo que só o Brasil mandou mais de setecentas pessoas. Até os ruralistas, apontados como vilões na cena dos crimes contra a natureza comparecem para mostrar seu lado verde.
A natureza, por sua vez, parece ter agendado eventos extremos para ajudar a abrilhantar a oportunidade do encontro. Chuvas e trovoadas extremas derrubam linha de transmissão, deixando boa parte do Brasil às escuras. Enchentes em São Paulo e no Rio mostram a vulnerabilidade de uma população que se aglomerou em áreas de risco e que sofre com os efeitos do desmatamento de matas ciliares, do assoreamento e da falta de drenagem urbana. Vendavais inusitados destroem casas no Sul. Na Amazônia novamente a seca se manifesta.
Em meio a toda a agitação em Copenhague, um fato chama a atenção. A manifestação dos representantes da ilha Tuvalu, que clamam em favor de compromissos mais rigorosos do que os que estão em pauta. Tuvalu é a metáfora que melhor retrata o drama ambiental anunciado: 12.000 candidatos humanos à extinção enquanto povo enraizado num território. O chefe Tuiavii de Tiavea já assinalava, em 1920, que a lógica que move o homem branco não tem muita lógica. A obra de Eric Scheuermann, O papalagui (homem branco, na linguagem local), relata a relação entre o antropólogo europeu e o nativo dos mares do sul. No primeiro momento, o branco, procura entender o modo de vida do nativo. No segundo, Tuiavii é levado à Europa, onde escreve suas impressões. Fica claro o estranhamento entre o olhar agitado do progresso industrial e o da calma convivência com os ciclos da natureza.
Remoto paraíso insular no Pacífico Sul, Tuvalu agora aparece no mapa, no epicentro dos debates da COP-15. Enquanto ricos e pobres debatem de quem é a culpa e quem vai pagar a conta, eles chamam a atenção para um fato singelo: quer se deixem as coisas como estão (e aí poderemos ter um aumento de temperatura de 4 graus até o final do século) ou cheguemos a um honroso desfecho, com o compromisso de mudanças significativas que nos levem a um aquecimento de apenas 2 graus, a ilha será coberta pela elevação do nível dos oceanos. Tuvalu, como outras ilhas, é um atol de corais, com topografia muito baixa. Qualquer dos cenários que se está considerando em Copenhague será fatal para eles.
Recentemente, outro arquipélago, as Maldivas, chamou a atenção da mídia mundial ao organizar uma reunião de seu gabinete de ministros em baixo d’água. Eles, aliás, já pensam em criar um fundo de poupança nacional, para comprar outra ilha, menos vulnerável à elevação do nível dos mares, para onde possam fugir oportunamente.
Tuvalu representa hoje a metáfora do estranhamento entre um mundo que quer crescer e multiplicar, produzindo mais e consumindo mais, e um pequeno grupo de nativos que quer sobreviver enquanto povo. O barulho que estão fazendo nas reuniões de Copenhague parece a imagem dos liliputianos frente a Gulliver. Só que no conto de Jonathan Swift, os pequenos conseguem imobilizar o gigante. E em Copenhague, como será?
* Professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, autor de A Grande Transformação Ambiental, Ed. Garamond (em co-autoria com Marcelo Persegona), dentre outros livros.
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