Desde que Julian Assange entrou na embaixada do Equador em Londres, diversas pessoas e grupos difundiram pela internet sua perplexidade pelo fato de que o célebre cientista e ciberativista tivesse escolhido um país subdesenvolvido. Aliás, sendo um militante da liberdade das idéias e dos direitos humanos, chamava a atenção que pensasse radicar-se por tempo indefinido num país que os grandes centros de poder consideram um pária do planeta. Segundo esses críticos, o Equador não respeita a liberdade de imprensa e, além disso, tem aplicado, em menor escala, políticas semelhantes às do Brasil, sacrificando a ecologia e os direitos dos indígenas para encher o bolso das empreiteiras e das empresas de petróleo.
Em primeiro lugar, vamos evitar a resposta simplista: se você tem certeza de que será torturado até sair seu estômago pela boca numa masmorra como as de Abu Ghraib, e depois colocado no corredor da morte, sem dúvida duvidaria antes de acusar outros países de violadores de direitos. Seria ingênuo pensar que centenas de feministas prestigiosas e batalhadoras, como a sueca Hellen Bergman, e outros milhares de intelectuais, não saibam o que acontece em seu país com o governo conservador instalado em 2006.
Atuando de boa fé, seria impossível entender por que os tribunais britânicos não se perguntaram qual é a acusação contra Julian Assange, sendo que ele não foi formalmente indiciado por estupro. Por que, afinal, Anna Ardin, considerada próxima de movimentos cubanos financiados pela CIA (e não dos opositores de esquerda dos que há um grupo importante na Suécia), acusa a ele apenas de ter tirado seu preservativo e não querer parar o ato sexual mesmo nessas condições? Muitos juristas suecos afirmam que isso não é estupro pelas leis do país (e, possivelmente, pelas de nenhum outro).
Por que, aliás, a promotora Marianne Ny e todos os membros de sua equipe se recusaram com desprezo a viajar a Londres e entrevistar Assange na embaixada, apesar do gentil e direto convite do governo? Em realidade, a causa formalmente alegada para pedir a extradição foi a necessidade de interrogar Assange. A maioria de juízes que votou em favor da devolução do australiano, nunca aprendeu nas rigorosas e científicas universidades britânicas que um interrogatório não é motivo suficiente para uma extradição?
Por outro lado, Assange sem dúvida sabia que não podia esperar nenhum respeito à sua militância pela liberdade de informação. A “liberdade” que a mídia oficial defende é a de seus donos, não a de seus usuários. A luta do Wikileaks pela verdade é uma pedra no sapato dos que difundem informações interessadas, tendenciosas, golpistas, etc., como, por sinal, acontece no Equador e em todos os outros países da região.
E isso responde à outra dúvida. A dita “censura” do governo de Correa nada mais é que a defesa devida a qualquer cidadão (em teoria) que é caluniado pela mídia, por exemplo, acusando-o de ter ordenado um massacre de civis, uma mentira nada inocente, que justificaria o imediato impeachment do presidente.
É verdade que no Equador há violações aos direitos humanos, que Correa, com seu poder sempre sob sabotagem, não consegue erradicar. As petroleiras (não só americanas, mas também da América do Sul) exploram brutalmente o território, criando catástrofes ecológicas que afetam especialmente os indígenas. Correa, no entanto, faz alguns esforços, talvez não todos os possíveis ou não todos de maneira eficiente, para aliviar a situação das camadas pobres da sociedade, numa proporção nunca antes vista no Equador, e tampouco em nenhum outro país da América do Sul, pelo menos, após 1950.
Mas há alguns pontos importantes. Por enquanto, Correa foi o único chefe de Estado a expulsar uma base americana (a de Manta), e um dos poucos que tenta reduzir o poder das forças armadas e das gangues de segurança. Aliás, apesar da grande oposição dos ruralistas, acabou com a bárbara e sinistra tradição hispânica das touradas, e levantou o nível de vida da população indígena, que era quase nulo, a algo que ainda é muito pouco, mas é melhor que qualquer outro exemplo no subcontinente.
Finalmente, o mais específico. Hoje, o Equador, com um território menor que o do Brasil em mais de 35 vezes, tem cerca de 54.700 refugiados. O Brasil tinha até o último estudo menos de 6.000.