João Bosco Leal *
Ouvi, certa vez, que todo ser humano nasce com duas mochilas, uma na frente e outra atrás, que serão, desse modo, carregadas durante toda a vida, período no qual serão preenchidas. A da frente com nossas qualidades e a de trás com nossos defeitos, à medida que os vamos adquirindo.
Aquele que inventou esse conto definiu, em pouquíssimas palavras, o comportamento geral do ser humano, que normalmente quer expor, antes de si próprio, suas qualidades, escondendo, ao máximo, seus defeitos.
Isso é tão comum, tão verdadeiro, que o conto mostra também que a pessoa, colocando seus defeitos na mochila das costas, pretende, mesmo que inconscientemente, nem ela mesma os enxergar. E, com o tempo, esses defeitos vão sendo esquecidos, vão ficando no fundo da mochila, sendo cobertos pelos novos, de tal modo que acabam sendo esquecidos, até pelo próprio “dono” dos mesmos, que acredita, então, piamente, que não os possui.
Mesmo adquirindo muitas “cargas” para suas mochilas, a pessoa continua ereta, sem pender o corpo, pois no decorrer da vida as mochilas vão sendo preenchidas, quase que simultaneamente, com qualidades e com defeitos, de modo que seus pesos vão se equiparando e ela nem percebe mais que também possui a mochila dos “defeitos”.
A perfeição do corpo humano na ilustração desse conto é tanta que, quando a mochila das costas é carregada com muitos “defeitos” adquiridos, acaba puxando o corpo para trás, fazendo com isso que, quanto mais defeitos a pessoa possua, mais “estufe” o peito, mostrando suas qualidades, e é exatamente isso o que ocorre.
Entretanto, como em geral o ser humano é também desprovido da qualidade de tecer opiniões sobre terceiros diretamente a estes, mas sim pelas costas, acaba por só ver os defeitos dos outros, sem conseguir ver suas qualidades, que estão na mochila da frente.
Assim, o homem normalmente acaba criando um reinado próprio, onde só ele tem qualidades e os outros, só defeitos. É o “rei” das qualidades, enquanto os outros, que, pensa, deveriam ser por ele orientados, comandados, são cobertos de defeitos. Essa é uma característica muito comum no ser humano que ainda não cresceu, amadureceu ou se enxergou.
Não percebeu ainda o quanto é insignificante.
Com o amadurecimento, tanto ele como seus filhos, dos quais sempre foi o “pai herói”, começam a perceber que, além das qualidades, também tem muitos defeitos, que não é o super-homem, superpai, a super-mulher, supermãe, e sim um ser comum, como todos os outros, com muitas qualidades, mas também com muitos defeitos. Que acertaram muito, mas cometeram muitos erros em praticamente todos os setores da vida, de pensamentos, julgamentos e atitudes, sejam emocionais, comerciais, profissionais ou de valorização de algo ou alguém. Que são muito mais imperfeitos do que sempre imaginaram.
Aceitando-se, o ser humano carregará com muito mais facilidade e transparência suas duas mochilas, a das qualidades e a dos defeitos, sem esconder mais nada, podendo deixá-las penduradas em qualquer galho, e mergulhar de cabeça na vida, sendo ele mesmo.
* Produtor rural, articulista e palestrante sobre assuntos ligados ao agronegócio e conflitos agrários. Foi presidente do Movimento Nacional de Produtores (MNP) por oito anos, de 2001 a 2009.
Deixe um comentário