Osvaldo Martins Rizzo*
O capitalismo -regime econômico hegemônico do lucro concentrador de riqueza- vive uma nova crise, desta feita com proporções gigantescas, dolorosas e globais.
Desencadeada pelo desmanche de complexas operações de securitização de papeis de derivativos de créditos montadas para buscar o lucro pelos intermediários (executivos dos grandes bancos de investimentos muito bem pagos e movidos a estimulantes químicos ilegais), a crise fez com que a “corrente da felicidade” dos modernos alquimistas financeiros evaporasse no ar, causando enormes perdas patrimoniais aos investidores, e empurrando o mundo para uma recessão.
Para ilustrar: como jogadores compulsivos viciados em carteado, os altos dirigentes do fenecido banco Bear Stearns buscaram o lucro apostando pesado em bônus privados de alto risco e perderam. Estimado em cerca de 10% do total das reservas brasileiras, o estoque de liquidez da quase centenária instituição bancária sumiu em menos de 48 horas, mostrando ser insuficiente para conter a corrida aos caixas do banco que ceifou milhares de empregos.
O aspecto cruel dessa crise é que ninguém escapará de pagar uma parte do prejuízo.
Em países historicamente endividados que necessitam de poupança privada para neutralizar seu déficit nominal crônico, ocorrerá um importante aumento do estoque da dívida pública com o posterior retorno do medo dos poupadores de levar um calote do governo.
Tentando estimular o cadente nível de atividade das economias, os governos reduzem a taxa básica de juros e injetam dinheiro público nos mercados, beneficiando alguns eleitos. No futuro, o cidadão comum empobrecerá ao ter de entregar parte de seus bens para o setor público, pagando essa conta com tributos maiores e inflação mais alta.
Sozinha, a China pouco poderá fazer para manter elevado o ritmo do comércio mundial.
Afetado pelo contexto da crise, o crescimento médio do PIB brasileiro corre o risco de voltar à mediocridade registrada nas últimas décadas com o declínio dos lucros corporativos. Esse cenário desagrada ao grande capital que pressiona o governo buscando o lucro através de mais renúncias fiscais e da flexibilização da legislação para diminuir o custo com o trabalho.
Por sua parte, ante a perspectiva de queda da taxa básica de juros, os rentistas começaram a sentir a incômoda redução dos seus ganhos mensais provenientes do lucro das aplicações financeiras em fundos mútuos, lastreados em papeis emitidos pelo governo para rolar a dívida pública, sem a amortizar.
Acostumada a receber do governo, durante décadas, a sua generosa mesada mensal, a confraria financeira encurrala o governo obrigando-o a mudar as regras de funcionamento da caderneta de poupança para que continue perdendo dos fundos de investimentos em lucratividade. A “ciranda financeira” tem que continuar mesmo que para isso o pequeno poupador e o mutuário da casa própria venham a ser prejudicados.
Somente com a cobrança da taxa de administração desses fundos, os intermediários das operações (os bancos) lucram mais de um bilhão de reais por mês, valor que cairia com a massiva migração de aplicações para a caderneta de poupança se as normas atuais fossem mantidas, e que contribui significativamente para garantir os ganhos dos acionistas majoritários e dos altos executivos com os milionários prêmios pela superação das metas estabelecidas para os lucros.
Uma das mudanças sugeridas atrela o rendimento da caderneta de poupança aos juros de mercado, o que implicaria na alta dos encargos do financiamento da casa própria sempre que o Banco Central aumentasse a taxa básica de juros, prejudicando o mutuário.
Também não importa se as mudanças nas regras revivam na enleada memória do pequeno poupador a dolorosa experiência do confisco do Plano Collor desestimulando as novas gerações a poupar, pois a práxis do grande capital é cruel e manda que o resto da sociedade sempre perca para que ele nunca deixe de lucrar.
*Osvaldo Martins Rizzo – Engenheiro e ex-Conselheiro do BNDES