O ano era 1994. Palco de uma das festas mais luxuosas do país, o sambódromo da Marquês de Sapucaí recebia o então presidente da República, Itamar Franco. Mesmo sendo mineiro, ele não fez jus à fama de "come quieto" dos homens de seu estado. Em camarote movimentado, recebeu a modelo Lílian Ramos, destaque em uma das escolas de samba que haviam se apresentado. A moça, despiu-se da fantasia, e foi ao encontro do presidente. Extasiada pelos flashes, posou para fotos ao lado de Itamar. Foi a primeira-dama postiça do presidente do camarote. A modelo decidiu acenar em direção aos fotógrafos. Este ato a transformou na protagonista daquele carnaval: Lílian estava ao lado do presidente da República, sem calcinha.
Durante mais de uma década, aquele carnaval permeou a memória dos políticos. Após o constrangimento vivido por Itamar, o sambódromo passou 14 anos sem receber a ilustre visita de presidentes da República. Agora, Luiz Inácio Lula da Silva promete romper o estigma e dar o ar de sua graça no carnaval do Rio. "Reduzi minha participação no carnaval, porque esta é uma época que exige certa irresponsabilidade. E o político não pode se dar esse luxo. Lembra do Itamar? Pois é", ressalta o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), que apesar das restrições impostas pela boa memória, marca presença anual no Galo da Madrugada, em Recife (PE), o maior bloco de carnaval do mundo.
Os políticos marcam presença em todos os carnavais. Na maioria das vezes, aparecem multiplicados em máscaras e bonecos feitos para reverenciar ou criticar os representantes do povo. "Durante o desfile do Bloco dos Sujos, em Florianópolis, sempre vejo muitas Idelis. Uma vez, morri de rir. Vi uma pessoa, cuja fantasia era inspirada em mim, com a indicação do nome: Dei ali Salvatti. Caí na gargalhada. Não teve jeito", lembra a senadora Ideli Salvatti (PT-SC).
A senadora – que ganhou projeção nacional quando assumiu a defesa do Partido dos Trabalhadores durante crise do mensalão – não lembra em nada a mulher de fala firme e austera que atua no plenário do Senado quando fala de carnaval. Uma apaixonada confessa pelo samba, garante: "Eu aprendi a sambar antes de aprender a andar."
A senadora do Carnaval
Presença certa nos blocos de seu estado, Ideli admite: no carnaval, fecha a agenda na quinta-feira e só abre na outra semana, na quarta-feira de cinzas. "A minha primeira capa de revista foi vestida de rainha da Rússia, ao lado de um primo, que estava fantasiado de príncipe. Foi no concurso de fantasias do Ibirapuera,
A senadora inicia as atividades, em Florianópolis, desfilando no bloco SOS, que promove o "enterro da tristeza". "É muito tradicional na Ilha. Mais de dez mil pessoas participam", comentou. A partir daí, a folia não pára. Ideli chega a emendar, em alguns dias, mais de dois blocos, deixando muito marmanjo para trás no quesito disposição.
Além do ânimo e do samba no pé, outro fator indispensável para curtir o carnaval, na opinião da senadora, é o bom humor. "Sempre assisto ao desfile do Bloco dos Sujos. Tem desde homem vestido de mulher até coisas mais inusitadas. A ex-prefeita de Florianópolis, Ângela Amim, tinha muitos imitadores: corte de cabelo, roupas, tudo. Se não levar essas coisas na brincadeira, o político está em maus lençóis", argumenta.
"Você não é o Jarbas?"
Ainda que em ritmo menos acelerado, o deputado Raul Jungmann também não abre mão de participar da maior festa de seu estado. Presença certa no desfile do Galo da Madrugada, garante que mesmo participando anualmente, hoje não se sente tão à vontade como antes de se tornar um homem público. "O carnaval é a festa da licenciosidade, os costumes se afrouxam, mas ao político isso não é permitido. Só quando deixar o mandato é que vou me dar ao luxo de participar do carnaval efetivamente outra vez", assegura.
O parlamentar sempre marca presença no bloco de seu partido: O Bêbado e o Equilibrista. "O bloco surgiu na época da ditadura. Foi uma forma de a gente se posicionar. Mostrar que ainda estava ali", conta o parlamentar.
Hoje, Jungmann também encabeça a organização de um outro bloco, o Baião de Dois. "Seguiremos em um trio com música o Galo da Madrugada. Esse ano, nós convidamos o Gabeira (Fernando Gabeira, deputado do PV do Rio de Janeiro) e o Serra (governador de São Paulo, José Serra, do PSDB), mas não sei se eles vão", adiantou o deputado.
Se Serra comparecer ao evento, o carnaval de Olinda será palco de primeiro encontro público com clima de campanha entre ele, que é uma das apostas dos tucanos para as eleições presidenciais em 2010; e a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, candidata do presidente Lula ao cargo, que já confirmou presença no Galo da Madrugada.
Para driblar alguns incômodos previstos, o Jungmann usa da mesma arma que a senadora Ideli Salvatti: o bom humor. "Sempre tem muito bêbado querendo dar conselhos. Uma vez, estava com uns amigos, um sujeito chega junto de mim e diz: ‘Você não é o… o… o Jarbas?’ Não, eu respondo. ‘Mas você se parece com ele…’Mas não sou ele, reforço. ‘Mas no carnaval a gente é quem a gente quiser’, ele retrucou. Mas eu não posso me dar a esse luxo, respondi por fim".
Dos tempos das marchinhas
Contrariando alguns colegas do Congresso Nacional, ele não faz a mínima questão de badalar no carnaval hoje
Enquanto narra as peripécias da infância, Clodovil cantarola "Oh jardineira, porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu?", um dos clássicos da época em que o deputado se entregava ao samba. Hoje, garante, só apareceria no carnaval, se tivesse à disposição um camarote onde pudesse homenagear os amigos. "Agora não tem mais graça, não tem mais prazer. Carnaval virou deboche. Festa para vilipendiar mulher", opina o polêmico deputado.
Ainda que hoje prefira se recolher para descansar, Clodovil confessa já ter aprontado muito no carnaval. "Certa vez, minha mãe havia costurado uma fantasia de cigana para usar no baile da cidade. Eu peguei a roupa, dobrei o que sobrava e fui para o clube, fantasiado de cigana", conta o parlamentar.
Amantes de ontem e de hoje, no entanto, são unânimes em uma coisa: o carnaval tanto para eleitos, quanto para eleitores, é uma explosão de alegria. "Eu não acredito que carnaval dê voto. Compareço pela energia. É algo único, de uma beleza plástica inigualável", finaliza Jungmann.