Antonio Vital
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O ano está se aproximando do fim e, com ele, vêm os tradicionais balanços, análises, retrospectivas e projetos. Em pelo menos um gabinete do Palácio do Planalto, porém, 2004 não deixará saudades. E 2005 se anuncia como um período de opções difíceis. Falo da sala do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Dirceu começou o ano como uma espécie de primeiro-ministro informal e termina como um disciplinado soldado partidário forçado a engolir sapos. Perdeu parte do poder ao longo de 2004, viu adversários ganharem terreno, sofreu derrotas em algumas quedas-de-braço, foi obrigado a se explicar e chegou ao final de novembro menor. E, pior para ele, sua concepção de poder e seus pontos de vista em relação aos rumos do governo não fazem mais a cabeça do presidente Lula. Ou pelo menos não são mais determinantes. Os problemas de Dirceu, na verdade, começaram em dezembro de 2003, quando o PT expulsou os rebeldes Babá, Heloísa Helena e João Fontes, da ala esquerda do partido, processo atribuído em grande parte ao chefe da Casa Civil, então motorista do trator governamental e partidário. A medida mostrou quem mandava no partido, mas deixou seqüelas no PT. A partir de então, foi aberto um fosso entre a ala majoritária da legenda, encastelada no Palácio do Planalto, e seus representantes mais à esquerda. Mas o verdadeiro inferno astral de Dirceu iria começar mesmo dois meses depois, quando a revista Época divulgou uma fita de vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor direto dele na tarefa de obter maioria nas votações do Congresso, aparecia pedindo dinheiro ao “empresário de jogos” Carlinhos Cachoeira. O chefe da Casa Civil nunca se recuperou do golpe, apesar de não ter sido descoberto qualquer fiapo de envolvimento dele no caso, ocorrido quando Waldomiro era presidente da Loterj, no Rio, durante o governo Anthony Garotinho. A partir daí, Dirceu foi perdendo poder e, sobretudo, deixou de ser o principal interlocutor de Lula. Primeiro, perdeu a coordenação política para Aldo Rebelo, do nanico PCdoB. Ganhou em troca a tarefa de gerenciar o governo, seja lá o que isso for. O caso fez ainda com que colassem em Dirceu rótulos até então apenas sugeridos, como os de “autoritário”, “centralizador” e “arrogante”. Para se recuperar do baque, o ministro se lançou em duas brigas até agora perdidas: tentou tirar Aldo Rebelo da coordenação política e tentou mudar o eixo da política econômica. Usou para isso o PT, soprando a brasa de pressões que passaram a chegar a Lula de várias maneiras. O presidente, porém, deu diversas mostras nos últimos dias de que nada vai mudar. Aldo ficará onde está, a dupla Palocci e Meirelles continuará fazendo o que está fazendo e, pior, o PT vai perder espaço para os aliados, principalmente para o PMDB. Dirceu foi o grande artífice da aproximação do partido com o PMDB. Mas nunca quis partilhar o poder de verdade com os peemedebistas. No governo, em várias ocasiões atuou em defesa dos interesses do PT, mesmo quando isso significava prejuízos ao governo. Foi ele, por exemplo, quem atirou a primeira pedra nos tucanos que prometiam fazer uma oposição não sistemática ao Planalto, sob o argumento de que o PSDB é o verdadeiro inimigo eleitoral dos petistas. Se a visão partidária do raciocínio é correta, a governamental nem tanto. E Lula sabe disso. Este comportamento do ministro fez o presidente decidir manter Aldo Rebelo na coordenação política. Ninguém pode acusar Lula de ser incoerente desde que assumiu o Palácio do Planalto – estou me referindo ao período a partir de 1° de janeiro de 2003. E é com espantosa coerência que ele se aproxima da metade do mandato, confiando na promessa da equipe econômica de que os sacrifícios impostos aos eleitores valerão a pena. Só que Lula espera resultados em 2005. Quer juros mais baixos, mais dinheiro para investimentos e um salário mínimo maior. Ele concorda com Dirceu quanto ao risco da manutenção da atual política econômica em relação a 2006. Só não quer estragar tudo, a estabilidade e a confiança dos investidores no Brasil, por afobação. Enquanto isso, Dirceu vai continuar fazendo críticas a Palocci e a Meirelles para o público interno. Por várias razões, 2005 será um ano decisivo para a relação de Lula com Dirceu. Como maior comandante do PT depois do presidente, o chefe da Casa Civil terá de optar entre defender os interesses do partido ou os do governo. Isso vai depender do êxito da política econômica e do espaço que aliados terão na administração. Mas vai depender também da capacidade de Dirceu engolir mais sapos. |