Em 1987, recebi de boa fonte informação que considerei relevante: uma portaria do ex-ministro do Planejamento, Antonio Delfim Netto, de apenas três linhas, ainda no governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985), havia garantido uma fantástica isenção de Imposto de Renda para a empreiteira Camargo Correa. A portaria dizia mais ou menos o seguinte: “A hidrelétrica de Tucurui é obra de infra-estrutura prioritária do Programa Grande Carajás”. Fiquei sabendo, à época, que a “fantástica” isenção citada acima era de US$ 380 milhões. A Camargo Correa construía, então, a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no estado do Pará, inaugurada por Figueiredo em novembro de 1984.
Passei a informação para a coluna Radar, da Revista Veja – comandava a sucursal de Belém, responsável pela cobertura dos mais de 5 milhões de quilômetros quadrados da chamada Amazônia Legal, que engloba nove estados brasileiros. Elio Gaspari, diretor-adjunto e editor do Radar de então, ponderou: disse que iria dar a informação, mas se houvesse desmentido eu estaria no olho da rua. Confiei na fonte. Fiquei na revista até 1989, já na campanha eleitoral entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, mas sempre me lembro dessa história por considerar que é exemplar no que se refere às relações entre os detentores do poder e as empreiteiras, as principais financiadoras das campanhas eleitorais no Brasil desde os tempos de outrora, e aí estão as memórias do jornalista Samuel Wainer para confirmar o que digo.
Com os US$ 380 milhões de isenção do Imposto de Renda que deixou de pagar, a Camargo Correa associou-se à multinacional Alcoa na fábrica de São Luís, no Maranhão, grande consumidora da energia de Tucuruí, onde aplicou US$ 250 milhões. Outros US$ 130 milhões foram investidos na construção de uma fábrica de silício-metálico na região de influência da hidrelétrica, no estado do Pará, que a Camargo Corrêa mantém até hoje. A empreiteira continua em Tucuruí construindo as eclusas que poderão, futuramente, garantir a volta da navegabilidade do rio Tocantins, brecado pela barragem da hidrelétrica.
Vinte anos depois, vemos o depoimento do deputado federal Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB, na CPI dos Correios, e suas denúncias sobre financiamento de campanhas eleitorais no Brasil. Candidatos a deputado federal gastam em média mais de R$ 1 milhão para se eleger, segundo Jefferson. Candidato ao Senado, diz ele, gasta em média R$ 2,5 milhões para assegurar um mandato de oito anos na Câmara Alta. Vê-se que convivemos com uma grande hipocrisia: para se eleger, o deputado esbanja às vezes R$ 4 milhões na campanha eleitoral. Empossado, ganha R$ 12 mil mensais, o que em quatro anos de mandato corresponderia – incluindo 13º salário – a pouco mais de R$ 600 mil.
É verdade que nesses quatro anos (ou oito, no caso do senador), o parlamentar federal ganha oito passagens aéreas por mês para viajar para suas bases estaduais, tem direito a R$ 3 mil por mês para auxílio-moradia; pode optar por morar em apartamento funcional; recebe às vezes mais de R$ 50 mil de verbas de gabinete; tem franquia de Correios, de telefone, de gasolina; e ganha dinheiro – o meu, o seu, o nosso – para manter um escritório político em seu estado de origem. Mesmo somando todos esses penduricalhos legais ao salário, dificilmente um deputado federal receberá, ao final de quatro anos, mais do que aquilo que um candidato gasta em média para se eleger, segundo denunciou o deputado Roberto Jefferson na CPI dos Correios.
O que move um deputado federal a gastar R$ 4 milhões na campanha para se eleger se sabe que, ao longo de quatro anos de mandato, receberá no máximo R$ 1 milhão entre salários e benefícios? O que move um senador da República a gastar R$ 2,5 milhões, em média, numa campanha, sabendo que em salários receberá menos do que 50% disso em oito anos de mandato? O amor à causa pública? Altruísmo? Amor ao próximo?
O deputado Antonio Delfim Netto, como Marco Bruto, um dos assassinos do ditador Julio César, é um homem honrado. Tem no currículo passagem por ministérios importantes nos tempos da ditadura militar. É um dos deputados federais mais experientes da República. O caso relatado no início desse texto serve apenas para mostrar o poder da caneta de quem está no poder – que é efêmero – e a hipocrisia que persiste no Brasil no que se refere aos financiamentos de campanhas eleitorais.
No final, nós é que pagamos a conta.