Crueldade e exclusão são os dois lados da mesma moeda. E a julgar por alguns fatos que ocorrem atualmente no mundo inteiro, há indícios de algo fundamental: a ultra-direita e o conservadorismo – para muitos (quem diria?), no auge – estão em franco declínio.
Senão, vejamos: a ocupação sem precedentes de Wall Street por parte de ex-trabalhadores, estudantes, desempregados – os excluídos permanentes do neoliberalismo, sistema injusto e desumano. A propósito, ver matéria de David Brooks para La Jornada, comprovando que a repressão policial só tem fortalecido o caráter nacional do movimento que já tomou 100 cidades americanas, a exemplo de Boston, Chicago, Los Angeles, Austin, sem contar a adesão de artistas e intelectuais como Noam Chomsky, Susan Sarandon, Tim Hobbins, Stephen Colbert, Cornel West, Michael Moore. Suas palavras de ordem: “Conhecemos a devastação causada por uma economia onde os trabalhadores, suas famílias, o meio ambiente e nossos futuros são sacrificados para que uns poucos privilegiados possam ganhar mais dinheiro em cima do trabalho de todos, menos do próprio”.
Por outro lado, segundo avaliação do jornalista Jonathan Schell no The Nation (intitulado “A América Cruel”), cresce o avanço da crueldade no interior do hegemon norte-americano – que agora celebra publicamente (refiro-me a aplausos, vivas, etc.) as execuções orquestradas pelo sistema judiciário do país, bem como a tortura, esta em qualquer parte do mundo, terceirizada ao não. Ele observa que a regressão (ou não) à barbárie se estabelece em dois estágios. Primeiro, os demônios são apresentados – ou seja, testados. Segundo, vem a reação – seja indignação e rejeição aos mesmos – ou aceitação e até prazer com o capeta.
A escolha pode indicar a diferença se um país está restaurando a decência – a civilidade, sua comum humanidade – ou se está afundando na mais negra barbárie. O que explicaria, talvez em parte, porque os EUA mergulharam fundo num padrão de crueldade. Naturalmente isso significa: l) A decepção do povo americano pelo fracasso ideológico dos EUA;
2) Donde a fé crescente coletiva (e absurda) na força como solução de todos os problemas, seja onde, como e porque for.
O entusiasmo por matar é um sintoma inequívoco de crueldade: apareceu depois da morte de Osama Bin Laden, mobilizando estrondosa celebração em todo país. Uma coisa é acreditar na triste necessidade de matar alguém, outra é alardear isso, algo especialmente perturbador quando não são apenas as pessoas do governo, mas gente comum, que aplaude tais efusões.
De qualquer forma, é uma solução desesperada (apostar na força), mas que aponta inequivocamente para o retumbante fracasso ideológico do hegemon norte-americano. Numa outra volta do parafuso, o presidente Obama, mesmo tendo ordenado (nominalmente?) o fim da tortura, decidiu pelo contrário, ao impedir qualquer responsabilização pelas patifarias, afastando assim qualquer punição em geral. Ele sequer buscou algo equivalente a uma Comissão da Verdade como ocorreu na África do Sul depois do apartheid (aliás, como ocorre em várias partes do mundo).
PublicidadeExistem muitos outros sinais de que o caminho ladeira abaixo está selado. A justiça criminal norte-americana busca a injustiça. A pena de morte desafia padrões de decência praticados por qualquer país civilizado. O encarceramento de mais de dois milhões de americanos – a maior proporção per capita no mundo – é um reflexo assustador de um país que considera a punição como único remédio para os problemas sociais.
O pleno emprego seria um deles. Mas como a social-democracia e o welfair, a barreira capitalista à implantação do
socialismo pleno, também dançou, parece que o próprio capitalismo chegou a um impasse. Nos EUA, segundo observadores, parece que ninguém é infeliz (e pobre) o suficiente para ser isento de corte orçamentário, ao mesmo tempo, ninguém é feliz (e rico) o bastante para que lhe cortem os impostos. Aparentemente, decisões orçamentárias não envolvem a pena de morte, mas o domínio ideológico norte-americano do mundo desde os anos 90 ocorreu precisamente em razão delas.
De forma que nada mais lhes resta senão aplaudir a Força e o Capitalismo de Desastre. E os primeiros a fazê-lo são as próprias vítimas do Sistema. Como se os judeus, encaminhados à câmara de gás, tivessem que fazê-lo dando vivas a Hitler!