Edemilson Paraná *
Disciplinado e austero. Voltado para investimentos sólidos e de longo prazo de maturação, de perfil conservador nas apostas de negócio. Assim o homem geriu e fez crescer um dos maiores impérios industriais da América do Sul.
Ao nos deixar aos 86 anos de idade, o bilionário da Votorantim, uma espécie Rockfeller tupiniquim, leva com ele a ilusão que nunca foi capaz de se consolidar de fato nesse Brasil dependente: um industrialismo promotor de renda e emprego a partir do investimento direto e de apostas em conhecimento e tecnologia para a promoção de uma social-democracia tropical. A expressão torta desse sonho que teve diferentes ecos no Getulismo, em JK e no nacional-desenvolvimentismo, além de nunca ter ultrapassado de modo substancial a indústria de base (como é o caso da própria Votorantim), ruiu nos últimos 20 anos em privatizações, aberturas de capital, fusões, “flexibilizações” e tantos outros capítulos da desindustrialização brasileira que, ironicamente, avançou justamente nas mãos de um governo de retórica popular-industrializante. É que o buraco da reprimarização é mais fundo: trata-se de uma tendência mundial (com exceção, claro, dos países que exploram mão-de-obra semi-escrava e são, sobretudo por isso, justamente o receptáculo da onda de reestruturação produtiva dos últimos 30 anos).
Tudo somado, o Brasil do século 21 não parece ser mais um lugar para empresários “old school” como Ermírio de Moraes. Corretamente temerário em relação ao curto-prazismo que ajoelharia seu complexo industrial aos caprichos da finança, o “velho” sempre foi contra abertura de capital da empresa, caminho que parece inevitável; mas também, bobo que nunca foi, tratou logo de criar seu próprio banco. É que estamos na era da “governança corporativa”, dos conselhos de acionistas e seus CEOs – que recebem bônus em ações e raramente tem comprometimentos reais com o futuro das companhias, e dos industriais que especulam eles mesmos com câmbio e outros ativos nos mercados financeiros para incrementarem seus ganhos em tempos adversos (vide o caso Sadia/Perdigão). Nesse capitalismo patrimonial, onde o que importa é garantir retornos rápidos em formas de juros, dividendos e aumento de ações negociadas em bolsa, o investimento de longo prazo – sem o qual qualquer avanço real não pode acontecer – encontra terreno árido.
Tal solo torna-se mais fértil, no entanto, para a espoliação do trabalho e da natureza, para o avanço do agronegócio exportador (ele mesmo girando a ciranda de valorização financeira), para o baixo crescimento real, desemprego e crises.
Assim, gritando pelo aumento das taxas de juros, por mais arrocho e aprofundamento do “tripé macroeconômico” nas eleições de 2014, é que o capitalismo financeirizado brasileiro presta suas últimas homenagens a um dos últimos dinossauros industriais que ainda que restavam.
Publicidade* Edemilson Paraná, vice-presidente do Psol-DF, é jornalista e mestrando em Sociologia pela UnB.
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