Ronaldo Brasiliense*
Os ambientalistas festejaram a aprovação do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas no Senado como torcedores comemorando um gol de placa. Alguns acham que esse será o principal legado do governo Lula na área ambiental. Bobagem. A sessão do Senado que aprovou a concessão de florestas públicas para a produção sustentável (foram 39 votos favoráveis, 14 contrários e uma abstenção) mostrou que nossos ilustres senadores, com raras exceções, não conhecem a Amazônia. Inclusive – pasmem! – os próprios senadores da região.
Se conhecessem, não teriam falado tanta bobagem na sessão em que o projeto só foi aprovado porque a maioria decidiu acatar as modificações feitas no projeto pelo relator, o senador José Agripino (PFL-RN). A mais estapafúrdia delas: a exigência de aprovação prévia, pelo Congresso Nacional, do Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) quando incluir a concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares. Área desse tamanho pode até ser latifúndio no Rio Grande do Norte, terra de José Agripino, mas é minifúndio na Amazônia.
Aos fatos: para os que têm memória fraca, lembro que a Amazônia perdeu mais de 25 mil quilômetros quadrados de florestas entre julho de 2003 e agosto de 2004 – no governo Lula, portanto. Área só um pouquinho menor do que o estado todo de Agripino. Por causa das emendas, a projeto terá que voltar à Câmara dos Deputados para uma nova rodada de votações.
O gaúcho Pedro Simon (PMDB), um dos mais competentes oradores do Congresso Nacional, mostrou que sobre questões amazônicas é neófito. “Estamos concedendo como que capitanias hereditárias para grupos internacionais”, acusou Simon, atacando o projeto e ressuscitando bobagens publicadas em livros escolares norte-americanos apócrifos que apresentam a Amazônia como “patrimônio da humanidade”..
A combativa senadora alagoana Heloísa Helena (PSol) também apelou à xenofobia, denunciando uma conspiração internacional com o objetivo de limitar a soberania do Brasil sobre a Amazônia e implantar uma “administração compartilhada” desse fantástico “patrimônio mundial”.
O folclórico amazonense Gilberto Mestrinho, por três vezes governador do gigante estado do Amazonas – o maior da Federação – que, no início dos anos 90, travou uma briga com os ambientalistas, criticando o Ibama por “não permitir que caboclo coma jacaré, mas deixa que jacaré coma caboclo”, divulgou um furo internacional nos debates, pouco explorado pela mídia nacional: “Tive informações de uma empresa que faturou 1 bilhão de dólares com uma bactéria do meu estado”. Durma-se com uma besteira dessas! Outro senador amazônico, Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), engrossou o caldo de besteiras. “Vão alugar nossas florestas para os grandes conglomerados internacionais”, previu.
O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas prevê a concessão de até 13 milhões de hectares de terras nos primeiros dez anos para a exploração madeireira e outras atividades econômicas. Na teoria, tem por objetivo reduzir a grilagem de terras e desenvolver a economia dos nove estados que compõem a Amazônia Legal de forma sustentável e não predatória.
Na prática, porém, a Amazônia continuará sendo devastada pela grilagem, pela derrubada da floresta pelas madeireiras ilegais, pelos pecuaristas que cada vez mais esmagam a selva com a pata do boi, e pelo avanço desenfreado do agronegócio, com os sojeiros à frente. Tudo isso somado à falta de fiscalização – há mais funcionários do Ibama em Brasília do que nos nove estados da Amazônia brasileira – e de vontade política para preservar.
Não será o projeto de Gestão de Florestas que resolverá o problema da devastação da maior floresta tropical do planeta. Como o projeto ainda vai demorar algum tempo para ser aprovado na Câmara e sancionado pelo presidente Lula – provavelmente antes de a ministra Marina Silva se desincompatibilizar do cargo para disputar o governo do Acre –, apenas ações de pouco impacto poderão ser colocadas em prática, pelo atual governo, no entorno da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), a qual Lula prometeu, em 2002, asfaltar e até hoje não cumpriu.
Tudo isso para, no final das contas, apesar da aprovação do projeto de gestão de florestas públicas, nossas autoridades ambientais – Marina Silva à frente – anunciarem que os desmatamentos na Amazônia caíram de 25 mil km quadrados (2003-2004) para “apenas” 18 mil km quadrados (2004-2005).
Não haverá, então, mais uma vez, nada a festejar.