Duas notícias sobre o solar, uma boa, outra ruim.
A ruim, primeiro: depois de nove meses de enrolação, por decisão do secretário de (sub) Desenvolvimento Energético, Altino Ventura Filho, minha emenda parlamentar ao orçamento destinada ao Senai-RJ para um curso de formação de eletricistas prediais, engenheiros e arquitetos em energia solar foi para a lata do lixo.
Inicialmente fora muito bem recebida pelo corpo técnico do Ministério de Minas e Energia (tenho o parecer favorável), mas depois de uma longa via crucis burocrática que custou dezenas de horas de trabalho ao Senai e a diversos consultores para atender à gincana de exigências do ministério, quando tudo estava pronto e parecia OK, surgiu um outro parecer, suscitado por Ventura Filho, que criticava ao solar “não é nossa prioridade” e implicava com o preço das apostilas do Senai. Foi um pretexto, pois era um problema fácil de solucionar se os contatos do ministério não tivessem, ato contínuo, deixado de responder aos e-mails e telefonemas – inclusive aos meus, num flagrante desrespeito a um mandato parlamentar.
Numa clara manobra de má-fé, deixaram o prazo vencer para que a emenda se perdesse. Depois soube que essa era uma praxe do ministério em projetos envolvendo o solar: fingem que se interessam, absorvem toda a informação produzida e depois descartam o projeto proposto.
Fui recebido pelo Dr. Ventura Filho para “explicar” o inexplicável. Tentou responsabilizar o custo das apostilas lendo de uma “colinha” preparada por assessores. Argumentos dignos de um energúmeno. Era uma “conta de chegar”, uma formalidade. Nenhuma abertura para um diálogo honesto.
Durante a conversa ele chegou a se jactar de ter repelido um investidor potencial em energia solar no Brasil. Quanto este lhe perguntou qual seria o mercado potencial para o solar no nosso país ele retrucou: nenhum.
Fiquei pasmo com seu nível de desinformação. Trabalha com um paradigma que precede o barateamento em 80% dos painéis solares nos últimos cinco anos que faz com que ele já seja competitivo em diversas áreas do país, dependendo dos preços locais das concessionárias.
PublicidadeMas pelo menos dá para entender melhor o que acontece no ministério de Edison Lobão-apagão.
Acorda, Dilma!
Agora a boa notícia: consegui emplacar na MP 579 duas das três emendas que tentei junto ao relator, senador Renan Calheiros. O inciso VI do artigo 13 da Lei 10.438/02 passou a incluir “termosolar e fotovoltaica” no rol das fontes de energia a serem promovidas. A formação de mão-de-obra para “instalação de equipamentos de energia fotovoltaica” passará a poder ser financiada pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Evidentemente que isso tende a virar letra morta nas mãos da turma de Lobão-apagão. Mas agora é Lei.
Mas qual é o atual status do solar?
Durante décadas a energia solar foi considerada a “do futuro”. Agora esse futuro chegou, mas em alguns lugares ainda não é percebido. Hoje as fotovoltaicas custam em média 80% menos que há cinco anos. Isso se deve, sobretudo, aos fortes investimentos da China no solar. Mas nos últimos tempos assistimos também a uma guerra protecionista nos EUA e na União Europeia contra as fotovoltaicas chinesas que são responsabilizadas pela quebra de empresas como a famosa Solyndra.
Noticiam uma crise em parte do setor solar na própria China com as dificuldades de alguns gigantes como a Suntech. Na verdade, cotoveladas na disputa de mercados e competição feroz com alguns atores quebrando representam, pelo contrário, a presente vitalidade do solar.
A afirmação que faço já seria validada por esse único dado: na Alemanha, terra para lá de nublada, com uma insolação duas vezes e meia menor que a nossa, 30% do abastecimento de energia elétrica já é coberto pelo solar, em determinados dias.
A China na vanguarda industrial
Nenhum lugar é melhor para avaliar o fenômeno que o seu grande coração industrial: a China. Estou regressando de lá com uma agenda intensa de visitas e conversas com os CEOs de algumas das maiores produtoras de fotovoltaicas: Trina Solar, Canadian Solar (na verdade, mais chinesa que canadense), Yngli; dois gigantes hidroelétricos que agora investem também em solar: a Hanergy e a Three Gorges e a maior empresa distribuidora de energia: a State Grid. Deu para construir uma visão geral do que acontece no país onde ocorreram os mais dramáticos avanços para a viabilização global do solar via a redução radical dos seus custos que, em algumas circunstâncias, brevemente serão páreo para os do carvão.
É verdade, a indústria chinesa passa por um abalo. É uma crise bem no sentido de seu ideograma chinês que significa também “transição” e “oportunidade”. A recessão global e as medidas protecionistas dos EUA e da EU – essas ainda em discussão – deixaram os chineses afogados em painéis solares. Essa situação, junto com a excessiva alavancagem financeira, deixa em palpos de aranha gigantes com a Suntech e a Yngli e periga falir muitas das pequenas e médias. Há mais ou menos cinquenta e isso é um número excessivo.
A dinâmica desse capitalismo ultracompetitivo onde estatais estaduais (pertencem aos governos provinciais) e empresas privadas disputam ferozmente mercados, levará, como em outros setores da economia chinesa, a uma consolidação em patamar superior das vencedoras que tendem a ser aqueles com o melhor modelo de negócios (possivelmente a terceira e quarta do ranking: a Trina e a Canadian) e manter aquelas que de certa forma “brincam” com o solar, pois têm sua grande fonte de receita alhures. É o caso da Hanergy hidroelétrica que vem investindo pesado na tecnologia solar do filme fino, hoje bem menos competitiva mas eventualmente promissora face as células fotovoltaicas mono e policristalinas que dominam o mercado.
Uma oportunidade global
Consequência óbvia dessa conjuntura sobre oferta é o aumento do consumo interno, num movimento análogo ao da economia chinesa como um todo. A China vinha produzindo painéis solares principalmente para exportação a preço de banana. Agora vai ter de absorver internamente uma parte muito maior dessa produção. Suas condições para tanto são bastante confortáveis.
É uma boa notícia sobretudo para o clima. Durante a visita uma de minhas grandes curiosidades era descobrir se era previsível na China um fenômeno tipo o shale gas (gás de xisto) nos EUA, nos últimos três anos, com uma intensa substituição do carvão resultando numa redução de emissões de CO2 de aproximadamente 7%. A China tem bastante shale gas (o Brasil também), mas sua exploração é bem mais problemática pelo transporte – fica em regiões montanhosas – e pela escassez de água, consumida em enormes quantidades e com um custo ambiental a ser melhor avaliado, na sua exploração. A aposta de vários especialistas chineses é de que o solar fará a China prescindir disso que nos EUA é visto como a “energia de transição” do carvão em direção às energias limpas. O caminho chinês seria o de melhorar o rendimento do carvão, economizar energia e aumentar agressivamente a parte da eólica e da solar. Esta última ainda representa uma percentagem muito pequena: cerca de 2%. Seu campo para crescer é gigantesco.
Além de explorar seu imenso mercado interno, inicialmente negligenciado, o solar chinês sairá em busca de novos mercados não apenas para exportar seus painéis mas também para investir localmente na sua montagem.
Investir no Brasil?
Há uma janela de oportunidade escancarada e multifacetada para o Brasil, a terra do sol… ora deitado em berço esplêndido. Precisamos desonerar a importação das fotovoltaicas em troca de investimentos para montadoras que gerem empregos aqui. Precisamos criar um universo normativo mais amigável e, sobretudo, levar as concessionárias a capacitar-se a comprar a energia solar, tanto a distribuída de residências, instalações comerciais, industriais e equipamentos públicos, quanto a de “fazendas” solares.
Para tanto é indispensável o smart grid: a rede elétrica capaz de receber não apenas fornecer energia. É uma obrigação já prevista legalmente mas empurrada com a barriga a passo de tartaruga. A Agência Nacional e Energia Elétrica (Aneel) acaba de dar um prazo final às concessionárias para instalar o smart grid e se preparar para a energia distribuída.
Esses incessantes apagões sublinham claramente que isso poderia melhorar muito a estabilidade e a segurança do abastecimento de energia no verão.