Gustavo Amora *
Nos EUA, no final de 2009, a Casa Branca enviou um ofício a todos os seus departamentos e agências governamentais cobrando medidas específicas para implementar os princípios do Programa de Governo Aberto Americano, por meio do Ato de Liberdade de Informação (Foia, em inglês). O objetivo principal é criar um choque de gestão da informação governamental para combater as práticas burocráticas que inibem a circulação da informação pública em todas as esferas de governo. A ideia é fazer com que os gestores passem a divulgar os dados governamentais de maneira proativa, ao invés de esperarem demandas externas.
Os pilares nos quais o programa se sustenta são: transparência, que garante responsividade, pois oferece ao público informações em via de mão dupla sobre o que o governo está fazendo; participação, pois permite à sociedade contribuir com ideias e expertise para que o governo possa produzir políticas com o benefício do uso da ampla gama de informações dispersas na sociedade; e, por fim, colaboração, já que viabiliza a efetividade das políticas do governo ao gerar parcerias e cooperação, tanto entre o governo federal e seus diversos níveis de governo, como entre o governo e as empresas e, sobretudo, entre o governo e a sociedade.
Em termos práticos, a proposta do governo proíbe atraso na disponibilização de informações, algo visto como uma forma de barrar o acesso à informação de maneira indireta. Além disso, dentro de 45 dias, cada agência deverá publicar três conjuntos de dados valiosos em formato aberto e, em 60 dias, todas as agências deverão disponibilizar um website institucional na plataforma oferecida pelo governo para facilitar e uniformizar o acesso às informações e pesquisas relacionadas ao trabalho dessas agências. Os endereços das agências estão obrigados a oferecer mecanismos de comunicação com o público e meios formais para que apenas possam opinar e interferir sobre quais conteúdos deverão ser priorizados nas plataformas de divulgação. Por fim, o governo americano criou fóruns de boas práticas para discutir com diversos servidores públicos que programas e ideias poderiam ser incentivados para um número maior de agências do governo.
Nesse cenário, surgem diversos portais do governo americano na internet, incluindo o portal apps.gov, cujo objetivo é divulgar ferramentas da internet de acesso público que possam ser usadas pelas agências governamentais na redução de custos da criação de websites institucionais e para as atividades diárias. O site é dividido em aplicativos para negócios, aplicativos para produtividade, serviços de computação em nuvem e mídias sociais. Aplicativos como Skype e MSN e ferramentas como Facebook e Youtube estão incluídos. No Congresso americano, por exemplo, foram criadas páginas especiais no Facebook para uso dos senadores, e o aplicativo desenvolvido é livre de propagandas publicitárias ou de qualquer material de campanha eleitoral.
Computação em nuvem
O governo Obama deseja sair na frente nessa nova tendência do mundo da informática, que é a computação em nuvem, ou seja, a transferência de aplicativos e do armazenamento de dados para servidores centrais que podem ser acessados através da internet, em substituição aos servidores institucionais (no caso das agências do governo) ou dos discos rígidos dos computadores (no caso do uso privado). Para o governo, isto pode representar uma economia significativa, já que os EUA gastam com tecnologia da informação cerca de US$ 75 bilhões por ano.
Essa economia pode ser feita de diversas formas, primeiro em função dos gastos de manutenção de servidores e, indiretamente, pelos gastos oriundos da aquisição de serviços e aplicativos redundantes e sobrepostos. Por exemplo, duas agências podem contratar empresas diferentes para desenvolverem um sistema de informática semelhante, que poderia ser compartilhado entre elas caso estivessem dialogando.
Agindo em função das expectativas, o Google está desenvolvendo uma versão do seu kit de ferramentas em nuvem para o setor governamental. Trata-se do pacote de aplicativos do Google feito para o governo americano, previsto para ser lançado em 2010. Além disso, a empresa lançou um conjunto de ferramentas voltadas para governos em seu portal.
E o governo brasileiro?
No Brasil, a discussão sobre transparência ainda segue incentivada pela mídia, e quando ocorre, tem foco na auditoria dos gastos públicos do governo federal para combater desvios de dinheiro público, esquemas de corrupção e financiamento ilegal de partidos políticos. Além disso, uma discussão mais aprofundada sobre a eficiência, eficácia e efetividade do gasto público ainda patina diante de tantas denúncias de mau uso dos recursos públicos. Em outras palavras, os escândalos que se sucedem parecem inviabilizar o avanço da discussão. Não obstante, alguns gestores públicos parecem tentar blindar suas instituições do crivo da sociedade e dos órgãos de fiscalização. Não é difícil perceber que alguns órgãos públicos se constituem em verdadeiros bunkers de informação.
Sobre o uso das novas tecnologias para a administração, o governo parece mais preocupado em tentar controlar o acesso dos seus servidores às ferramentas (principalmente de comunicação) do que interessado em avaliar em que medida elas reduzem custos gerenciais e aumentam a produtividade e o diálogo entre as agências do governo e deste com a sociedade.
Os EUA podem ser um modelo de referência do que podemos fazer nesse sentido. Assim como são referência negativa quando o assunto vai além das suas fronteiras, como é o caso do abusivo controle de circulação de pessoas e das redes de espionagem que atuam dentro e fora do país.
É preciso que o governo brasileiro atente para as discussões sobre as tecnologias da informação e comunicação, e perceba que facilitar o acesso às informações públicas, investir em programas integrados de tecnologia da informação são mecanismos de pluralização necessários à democracia e que trazem eficiência para a gestão pública. É preciso que o público, assim como os órgãos de fiscalização, seja visto como aliado na construção de políticas públicas melhores e menos custosas aos cofres públicos.
Para mais informações sobre transparência na administração pública, acesse:
O website da Fundação Sunlight, que vem conduzindo uma das campanhas de mais sucesso no sentido de sensibilizar governos para a importância da transparência.
O portal do governo americano dedicado a transparência
*Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep).