João Capiberibe *
Neste Natal e final de ano estarei mais leve e descontraído. Porque não dizer, feliz, com uma razão a mais para festejar. Já não era sem tempo, sete anos de espera, em silêncio, sendo acusado de ter me apropriado de uma fortuna astronômica, R$ 365 milhões, que teriam sido sacados na boca do caixa, das contas do governo do estado, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, fato supostamente ocorrido dias antes de renunciar ao cargo de governador do Amapá. Quem me conhece e convive comigo sabe que meu estilo de vida de padrões modestos não combina com esse tipo de acusação, mas como sou uma pessoa pública, é essa a imagem que estavam tentando macular. Vou relatar para vocês os fatos, para que possam formar sua própria opinião.
Após sete anos, três meses e cinco dias de dedicação e trabalho, deixamos o governo com uma aprovação popular histórica: quase 65% dos amapaenses avaliavam o nosso governo como ótimo e bom. Lastreado por esses números, no dia 5 de abril de 2002 deixei o cargo para concorrer a uma vaga ao Senado Federal.
O elevado grau de satisfação popular com nosso governo, refletido nas pesquisas, e a perspectiva de vitória na disputa por uma cadeira ao Senado exasperaram nossos adversários, principalmente o PMDB e sua maior liderança, o poderoso senador José Sarney, que tinha razões para nos querer distantes do poder. Durante nossa passagem pelo governo, eu e a equipe que me assessorava tínhamos consciência das implicações que viriam da decisão que estávamos tomando, porém estávamos convencidos de que para governar o Amapá com equilíbrio e eficiência, priorizando o interesse coletivo, era necessário afastar do poder e do orçamento público o senador José Sarney e seu grupo. Essa era uma decisão que precisava ser tomada e assim procedemos, mesmo tendo que pagar um preço pessoal elevadíssimo, como veremos nos próximos parágrafos.
Em contrapartida à nossa atitude política, a estratégia utilizada sistematicamente pelos meios de comunicação servis ao grupo do senador José Sarney aqui no Amapá parece muito com aquela utilizada pela poderosa máquina de propaganda comandada por Goebbels na Alemanha nazista de Hitler. Para atingir um objetivo, tudo é permitido: mentir, caluniar e repetir à exaustão essas mentiras e calúnias. Assim, a máquina de propaganda de Sarney e seu grupo voltou-se contra mim.
Poucos dias depois que deixei o governo, o então presidente da Assembléia Legislativa, deputado Fran Jr, do PMDB, ingressou com uma denúncia no Ministério Público Federal, acusando-me de ter roubado dos cofres públicos a importância de R$ 58.033.525,72 (cinqüenta e oito milhões, trinta e três mil, quinhentos e vinte e cinco reais e setenta e dois centavos). Antes mesmo de qualquer manifestação judicial, os meios de comunicação servis ao senador José Sarney promoveram uma tentativa de linchamento político, através de uma campanha acusatória sistemática, sem que eu tivesse direito a defesa. A mesma mentira era repetida à exaustão, na tentativa de manchar minha imagem de homem público. Muito estrago foi causado. No entanto, as calúnias não foram suficientes para impedir nossa vitória. Saí das urnas em 2002 eleito senador da República e minha companheira Janete foi consagrada deputada federal com a maior votação da história do Amapá.
O PMDB se insurge contra a decisão popular, 20 dias após as eleições, entra com recurso junto ao Tribunal Regional Eleitoral pedindo a cassação do meu registro de candidato como também de Janete. Na petição inicial, assinada pelos derrotados nas urnas, Gilvam Borges e Jurandil Juarez, somos acusados de comprar votos com dinheiro, segundo eles, subtraído dos cofres públicos. Reiteraram as acusações de seu correligionário Fran Jr, e apresentaram cópia de mais sete cheques administrativos, no valor estratosférico de R$ 365 milhões, supostamente sacados por mim, na boca do caixa.
Essa lambança, misturada com outras acusações, resultou em um retumbante fiasco no TRE do Amapá, onde fomos declarados inocentes. Inconformado com a decisão, o PMDB recorre ao TSE. Foi lá, distante 3 mil quilômetros dos acontecimentos, que o juiz relator, o ex-ministro Carlos Veloso, conseguiu enxergar que R$ 52 dessa suposta montanha de 365 milhões teriam ido parar nas mãos de duas humildes senhoras como pagamento pelos seus votos. No entanto, o inusitado mesmo está no modo de pagamento desses votos, cada uma teria recebido a importância de R$ 26, pagos em duas prestações: a primeira de R$ 6, antes; a segunda, de R$ 20, depois das eleições. Com base nessas acusações engendradas pelo PMDB e acatadas pelo relator, tivemos nossos mandatos efetivamente cassados no final de 2005.
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No dia 30 de março de 2004, quando o processo de cassação ainda tramitava pelos escaninhos do Tribunal Superior Eleitoral e da Procuradoria Geral da República, o PMDB protocola, no gabinete do procurador-geral, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, as mesmas denúncias referentes aos cheques administrativos. Passados quase cinco anos, finalmente cai a cortina e a trama se revela infundada. Com um parágrafo lacônico, o juiz federal substituto, José Renato Rodrigues, no dia 28 de outubro de 2008, deu a decisão que fere de morte um dos argumentos que levou à cassação dos nossos mandatos:
“Com razão o MPF, haja vista que, pela análise dos autos, não há prova da materialidade do crime previsto no art. 312 do CP, supostamente praticado pelo Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe, até porque, não restou comprovado que o erário tenha sido desfalcado. Pelo contrário, ficou evidente que a quantia, não obstante as transações bancárias, não saiu da esfera de disponibilidade do Executivo Estadual.”
Desmascarada uma parte da farsa montada contra mim e aqueles que acreditam na forma como faço política, ficam algumas interrogações. Você que acompanha a leitura deste relato, como se sentiria se estivesse no meu lugar? Que indagações faria diante de tais acontecimentos?
Entre a denúncia de Fran Jr. protocolada em abril de 2002 até o desfecho do 28 de outubro, com a decisão do juiz, passaram-se seis anos, seis meses e nove dias. É um absurdo de tempo para responder a uma questão que qualquer cidadão com acesso aos extratos bancários do governo responderia em poucas horas. Simples! O dinheiro era convertido em cheque administrativo em um dia, três ou quatro dias depois voltava para a mesma conta do governo sem alteração de valores.
Agora vejamos o tempo consumido para cassar dois legítimos mandatos conquistados pelo voto popular. Em 22 de outubro de 2002, o PMDB dá entrada no TRE com recurso pedindo a cassação de nossos mandatos. Em 12 de dezembro de 2005, o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, dá posse a Gilvam Borges na cadeira de senador antes ocupada por mim. Um mês depois, Janete também perdeu a vaga que o povo lhe outorgou com uma votação tão distintiva.
Cassaram nossos mandatos em três anos, um mês e 20 dias, ou seja, menos da metade do tempo que levaram para descobrir que um dos pilares da cassação desabou, era falsificado. E os outros não foram também falsificados? O tempo dirá, pois a verdade aparece aos poucos.
* João Capiberibe, preso e exilado político durante a ditadura militar, foi prefeito de Macapá (1989/1992), governador do Amapá (1995/2002), senador (2003/2005), e é atualmente presidente estadual do PSB no Amapá e vice-presidente nacional do partido.
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