Ana Paula Oriola De Raeffray*
A união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade em todo o mundo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em fevereiro de 2010, julgou o Recurso Especial nº 1.026.981, com a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual foi tratada a questão da união estável entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao benefício da pensão por morte nos planos de previdência complementar. No primeiro parágrafo da ementa do acórdão proferido neste recurso está assim consignado: “Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas seguidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera da entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais”.
Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, reconheceu a união estável homoafetiva, quando julgou a ADI nº 4277, apontando que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, nos termos do disposto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal.
Toda a questão submetida ao Supremo Tribunal Federal surgiu, contudo, em virtude do fato de que no artigo 226, § 3º, da Constituição Federal está determinado que o Estado protegerá apenas a união estável entre o homem e a mulher come entidade familiar. Este mesmo preceito consta do artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro e também, no que se refere ao casamento civil, no artigo 1.514 do mesmo diploma legal.
O plano de previdência complementar, como qualquer contrato, não é alheio à realidade e às modificações observadas na sociedade. Tanto é que pode ser notada a sua nítida adaptação quando houve o reconhecimento da própria união estável entre homem e mulher. Em muitos planos de benefícios, anteriores à Constituição Federal de 1988, os beneficiários da pensão por morte poderiam ser, além dos filhos, apenas o cônjuge, ou seja, exigia-se o casamento. A evolução das relações sociais determinou que passasse a figurar como beneficiário o companheiro ou a companheira, reconhecendo-se, assim, a união estável entre homem e mulher.
Da mesma forma, o contrato de previdência privada vem absorvendo a realidade social no que se refere à união estável entre pessoas do mesmo sexo, sendo que muitos planos, seguindo as diretivas do STF e do STJ, já vêm adaptando as regras para pagamento da pensão por morte de forma a que figure dentre os beneficiários o companheiro do mesmo sexo.
É evidente, todavia, que as formalidades previstas no contrato de previdência privada para a concessão do benefício terão que ser observadas. A primeira delas é a de que haja a indicação pelo participante de seu companheiro de mesmo sexo como beneficiário, seguindo-se da comprovação de que ambos conviviam em união estável, o que pode se dar mediante a apresentação de pacto de união estável particular ou público.
Essas formalidades do contrato de previdência privada visam trazer a segurança para a relação jurídica, respeitando-se a vontade do participante, e não inibir a concessão do benefício, haja vista que nesta espécie contratual vige a autonomia da vontade, ou seja, a pessoa pode decidir sobre a forma de pagamento do seu benefício em caso de morte dentro das hipóteses regulamentares e legais.
O próprio STJ na decisão acima citada reconhece que a união entre as pessoas do mesmo sexo precisa ser comprovada para que haja o correto pagamento do benefício da pensão por morte.
*Advogada, sócia do escritório Raeffray Brugioni Advogados e Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de SP
Deixe um comentário