Marcos Magalhães |
|
A voz e o sotaque já são íntimos dos brasileiros. Quando Heloísa Helena sobe à tribuna, a indignação flui pelas palavras impregnadas de poeira e chão, daquela brasilidade esquecida que conforta e dói ao mesmo tempo. Do lado oposto do país, mas igualmente retumbante na defesa de um governo sobre o qual muitos ainda não sabem bem o que pensar, Ideli Salvatti acrescenta veemência italiana aos debates que atualmente têm provocado mais calor do que energia para o país. Mas como seria encontrar com as duas longe das luzes da televisão? A senadora Heloísa Helena desmancha-se em carinhos e gentilezas quando recebe os convidados em seu gabinete. Ideli surpreende o jornalista com um leve toque de mão no rosto, ao responder a uma pergunta. Quem são, então, estas e outras mulheres que a cada dia avançam um pouco mais sobre o universo político brasileiro? Falar de mulheres sempre soa um pouco como dançar à beira de um vulcão. Corre-se o risco de um escorregão, de um deslize em direção aos clichês, de um banho na lava quente do politicamente correto, de uma acusação qualquer de machismo. Mas dançar, como sempre, é também um prazer. Outro dia, em um debate na Universidade de Brasília, também a respeito de mulheres, uma professora lembrou que o sexo feminino já produziu aventuras políticas como Margaret Thatcher e Condoleeza Rice. Os conservadores a perdoem, se for o caso, mas ela queria mesmo dizer que nem sempre o que é feminino pode ser considerado sinônimo de bondade e compaixão. Pode ser. Mas há realmente algo de intrigante nos condimentos retóricos e emocionais acrescentados pelas mulheres ao muitas vezes insosso debate político. Quem acompanhou a Constituinte, por exemplo, lembrará dos discursos veementes da então negra e favelada Benedita da Silva, em favor das negras e faveladas brasileiras. Em dias menos tensos, quando não tinha de enfrentar batalhões favoráveis aos transgênicos, Marina Silva também soube encantar audiências com a sua biografia no mínimo tão ousada quanto a do atual ocupante do Palácio do Planalto. Thatcher não pensou duas vezes antes de enviar as tropas britânicas para desalojar os argentinos das distantes ilhas do Atlântico Sul que os ingleses gostam de chamar de suas. Na verdade, o sucesso na guerra do início dos anos 80 foi o impulso de que ela precisava para colocar em prática a sua revolução conservadora, que aumentou o fosso entre ricos e pobres e, ao mesmo tempo, goste-se ou não, recolocou a Grã-Bretanha no mapa dos investidores internacionais. Rice tampouco demonstrou muitos instintos femininos ao defender a invasão do Iraque e do Afeganistão por tropas dos Estados Unidos. Firme ao lado de Bush, ela chega muitas vezes a ser apontada como a surpresa republicana em uma corrida presidencial antevista pelos mais otimistas – em relação aos direitos das mulheres – entre ela e a ex-primeira-dama Hillary Clinton. Hillary, sim, aquela criticada nos Estados Unidos por defender um sistema de saúde público para todos os norte-americanos. Aos mais puristas do feminismo, a cândida pergunta poderia sempre ser repetida: quem representaria, então, o verdadeiro sentimento das mulheres, Condoleeza ou Hillary? Maria ou Joana? Alberta ou Gilhermina? As opções, muitas vezes contraditórias, certamente se multiplicarão ao longo dos próximos anos, na medida em que elas começarem a sair de suas tocas e encarar o jogo político. Que apareçam. E que espalhem sobre os plenários, pela esquerda ou pela direita, sua indignação e sua ternura. Mas que se esquivem da tentação assistencialista e não se deixem enjaular nas pequenas caixinhas reservadas às mulheres na política. E a política poderá ser mais um cenário para este pedaço da história em que a novidade e a surpresa são cada vez mais substantivos femininos. |