Cláudio Versiani, de Nova York*
Em 28 de janeiro de 2003, o presidente George Bush disse, no Congresso americano, que Saddam Hussein havia comprado grande quantidade de urânio de um país da África. Era a deixa de que Bush estava indo à guerra.
A dois meses do fim de 2005, o governo Bush não sai do lugar, atolado num pântano de complicações. O tal do capital político que o presidente pretendia gastar no segundo mandato não existe mais. Bush é mais uma vítima da guerra do Iraque. A ocupação do país consome mais de 7 bilhões de dólares todo mês. Além disso, a economia vai mal ou nem vai. O preço da gasolina está batendo na parte mais sensível do corpo dos americanos, a carteira.
Em quase cinco anos o governo George Bush já perdeu mais de 40 importantes funcionários, que, ou foram demitidos ou pediram demissão. A grande maioria discordou dos rumos do governo, principalmente na condução da guerra do Iraque. O furacão Katrina também fez algumas vítimas na administração federal.
A guerra do Iraque produziu 2 mil mortos e 15 mil feridos (7 mil mutilados) no lado americano. A insatisfação se espalha por todo o país. Dois mil é um número simbólico que mexe com o emocional das pessoas. Na quarta-feira (26), a manchete dos jornais americanos foi uma só: 2 mil tragédias, 2 mil mortes, e por aí afora. O NY Times dedicou a manchete e mais seis páginas ao assunto, três das quais com os retratinhos dos mortos de setembro de 2004 pra cá. As fotos dos primeiros mil mortos o jornal publicou no ano passado. Várias outras publicações estamparam as caras dos mortos. Homenagens aos soldados e protestos contra a guerra marcaram o dia 26 de outubro. Em todo o país foram mais de 1.500 vigílias. Em Nova York, foi no coração da cidade, na Times Square.
Cindy Sheehan, a mãe simbólica de todos os soldados mortos, vem pregando desobediência civil. Ela promete sentar na calçada da Casa Branca todos os dias, ser presa, pagar a fiança e fazer tudo novamente. Desobediência sem prazo para acabar.
Patrick Leahy, um dos 23 senadores que votaram contra a invasão do Iraque, não deixa por menos. “O Iraque não é o Vietnã, é pior”, disse o democrata. Outro senador, Chuck Hagel, um republicano, afirmou que a situação no Iraque está cada vez mais caótica, e o Oriente Médio, desestabilizado.
Entre os próprios republicanos e na direita, Bush vem perdendo apoio. Eles temem que depois de tanto “esforço” (um vale-tudo num jogo político não muito limpo, para se dizer o mínimo) para conquistar o poder, Bush venha a entregar, com suas trapalhadas, o Congresso de mão beijada para os democratas. Seria o fim de um governo que apresenta sinais de fadiga. O presidente corre o risco de terminar o governo completamente isolado ou nem mesmo terminar. Faltando ainda pouco mais de três anos para completar o mandato, Bush já tem um lugar garantido na história: concorre ao título de pior presidente americano de todos os tempos.
Para piorar a situação, Harriet Miers, indicada por Bush para a Suprema Corte, jogou a toalha. Não agüentou a pressão dos conservadores. O presidente ainda insistiu, em vão, para que ela não desistisse. Como disse o jornalista Tom Engelhart, o governo Bush enfrenta problemas desde que a arrogância se encontrou com a incompetência.
Segundo o jornal Daily News, de Nova York, Bush anda frustrado, às vezes irado e até amargo. Disputas internas e muitas cascas de bananas lançadas de todos os lados, principalmente entre o Departamento de Estado e a CIA, sem esquecer o Pentágono, são a tônica desse desgoverno.
O coronel Lawrence Wilkerson, principal assessor de Colin Powell por 16 anos, acusou o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, de liderarem um grupo que tomava as principais decisões sobre segurança nacional. O coronel afirmou numa conferência em Washington que foi esse pequeno grupo quem arquitetou a desastrada invasão do Iraque. E, óbvio, tudo isso em segredo, uma verdadeira conspiração. A declaração abalou o governo Bush, que mais uma vez fingiu que não era com ele.
A Casa Branca anda com muito trabalho, são tantos assuntos obscuros, que, na verdade, é impossível combater todos os focos. Qualquer semelhança com a situação no Iraque é mera coincidência. Foi uma semana muito longa para o presidente dos EUA, bombas e incêndios para todos os lados.
O assunto que anda tirando o sono da turma de Bush é o escândalo conhecido como “Plamegate”. Valerie Plame, agente da CIA e mulher de um diplomata americano, teve sua identidade secreta revelada na imprensa americana. O embaixador Joseph Wilson, em missão secreta encomendada pelo governo, esteve no Níger para comprovar a compra de urânio pelo governo do Iraque nos tempos de Saddam Hussein. O embaixador nada encontrou e, mesmo assim, Bush usou a história do urânio no discurso à nação em janeiro de 2003, dois meses antes da invasão ao Iraque.
Em julho de 2003, o embaixador escreveu um artigo no New York Times acusando o governo americano de estar usando um argumento falso. Logo depois apareceu a história da esposa dele, que é a agente da CIA cuja identidade foi revelada.
Parece, e parece muito, que a brilhante idéia de retaliar o embaixador foi do vice-presidente Dick Cheney. Quem passou a informação para os jornalistas foi o chefe de gabinete de Cheney, Lewis Libby, que ouviu a história do próprio vice-presidente em junho de 2003. Libby foi indiciado em cinco acusações – entre elas, obstrução à Justiça, perjúrio e falso testemunho. Lewis Libby foi mais um que renunciou.
O promotor federal Patrick Fitzgerald não ofereceu denúncia contra o vice-presidente nem contra Karl Rove, o estrategista político do presidente, também conhecido como o cérebro de Bush. Rove é o homem das sombras. Pouco aparece, mas manda muito. Bush depende dele até para pensar, se é que é capaz de tamanha façanha. Os humoristas de plantão não deixaram escapar a piada.
O governo não foi ferido de morte, mas saiu chamuscado. Alguns analistas da política americana consideram que Lewis Libby era o quarto homem mais poderoso na Casa Branca. A investigação ainda não acabou e o assunto vai permanecer na mídia, tanto pior para George W. Bush.
Por conta dessa história, a repórter do NY Times Judith Miller passou 85 dias atrás das grades porque se recusou a revelar sua fonte de informação, exatamente Lewis Libby. Judith foi quem levou o NY Times a sustentar a versão do governo Bush de que o Iraque, com suas armas de destruição em massa, era uma ameaça iminente aos EUA. O jornal embarcou na onda de Bush via matérias de Judith Miller e depois teve de pedir desculpas aos leitores pelo erro grosseiro. A repórter está sob suspeita de ter sido usada pelo governo americano como porta-voz informal. Resta saber se ela realmente foi usada ou participou da trama.
O jornal tentava se refazer do baque depois do episódio Jayson Blair, o repórter que foi flagrado em abril de 2003 inventando várias matérias. Sob nova direção de redação, a estratégia foi esquecer o passado e investir no futuro, retomar o fôlego e partir para recuperar o prestígio. Por isso mesmo, Judith não foi muito contestada pela nova direção. O novo editor-executivo, Bill Keller, não quis mexer em coisas da administração passada. Perguntado sobre do que ele se arrependia no caso Judith Miller, ele respondeu: “Tudo”.
Sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein, a repórter disse que quando as fontes do jornalista estão erradas, ele também está errado. E disse mais: os analistas, os experts e os repórteres estavam todos errados. Só se esqueceu de dizer que jornalista não é papagaio para ficar repetindo o que ouve. Além do mais, muita gente contestou o governo americano, principalmente alguns jornais ingleses, mas os jornalistas americanos não quiseram saber. Estávamos no tempo da doutrina Bush: ou você está comigo ou contra mim.
O jornalista Juan Cole escreveu na revista eletrônica Salon: “No final, Judith Miller vai ficar menos como uma repórter que acredita em tudo e mais como uma idiota que foi usada pelo governo americano”.
Bush ainda é o homem mais poderoso do planeta. Ele está sentado sobre um arsenal nuclear de causar arrepios e controla a economia mais poderosa do mundo. Os EUA são um verdadeiro império.
Na semana passada, ele disse: “Eu tenho um trabalho a fazer. O povo americano espera que eu faça esse trabalho e eu vou fazer”. Aí mora o perigo. Estamos perdidos, ou ferrados, como diz minha filha Laura. Se Bush chegar ao fim de seu mandato, terão sido três longos anos ou 39 meses ou 169 semanas ou algo como 1.185 dias. Acho que Laura tem razão. Quem sobreviver, verá.