Segundo a nossa Carta Magna, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Nesta diretriz a Constituição Cidadã em seu artigo 196 diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Louve-se o espírito que norteou o constituinte de 1988, pois a saúde é fundamental para reduzirmos as nossas profundas desigualdades sociais.
O processo de democratização do país, a pesada dívida social, a crescente reivindicação por direitos, em particular o de acesso aos serviços de saúde, resultaram num crivo salutar dos serviços públicos por parte dos usuários. Este crivo, aliada à nossa angustiante crise econômica e o aumento abissal do desemprego, que retirou o acesso aos planos privados de saúde médico hospitalarde mais de um milhão de brasileiros e brasileiras, somente no último ano,gerou uma constatação, que a maioria da população suspeitava, ou seja, os serviços públicos de saúde foram ao longo do tempo sucateados por políticas que privilegiaram os serviços privados de saúde.
Na medida em que o sistema de público de saúde foi sendo debilitado, cresceram os planos de saúde, nas suas diferentes modalidades, ocupando, hoje, um mercado altamente lucrativo de R$ 86 bilhões de reais e cerca de 49 milhões de clientes. Infelizmente, o atendimento que essas instituições prestam aos usuários é, ainda, extremamente precário, e, muitas vezes, descompromissado com os anseios da sociedade brasileira. Isso ocorre em função da ausência de uma regulamentação sólida, que garanta de forma efetiva os direitos do cidadão, e não permita que usuários e profissionais de saúde sejam prejudicados em favor do lucro destas entidades.
A imprensa tem relatado o descaso e a indignidade a que são submetidos os pacientes que necessitam serviços públicos de saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O governo alega que o problema é gerencial enquanto os profissionais da área argumentam que os serviços não são de qualidade porque não há recursos suficientes para atender toda a demanda. Enquanto a polêmica ganha contornos de discussão acadêmica, as pessoas que necessitam de tratamento médico enfrentam enormes filas, tem o seu tratamento de saúde postergado, são submetidas a torturas psicológicas e a atendimentos desumanos.
Os profissionais de saúde, principalmente, os que trabalham em serviços de emergência, têm a triste sina de escolher os pacientes que serão alvo de tratamento. Sem entrar na discussão acadêmica, creio que o cerne da questão está na insuficiência de recursos para o SUS, pois ao analisarmos as receitas da Seguridade Social chegamos a uma conclusão estarrecedora, recursos que deveriam ser aplicados em saúde pública, previdência social e assistência social estão sendo desviados pelo governo federal para pagamento de outras despesas. Para se ter uma ideia da magnitude dos desvios, dados da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Anfip) apontam que no ano de 2014 a Seguridade Social foi superavitária em R$ 53,8 bilhões e estes recursos não foram aplicados nos serviços de saúde pública. Se não bastasse esse cenário caótico, o governo enviou para o Congresso Nacional a proposta de emenda à Constituição (PEC 241/2016) que limita gastos públicos por 20 anos, o que certamente tornará, ainda mais precário os já combalidos serviços de saúde pública.
A luta dentro do Congresso Nacional tem sido intensa, pois os interesses dos usuários da saúde pública se contrapõem aos das empresas de planos privados de saúde. Não podemos perder de vista que todos os consumidores possuem um plano de saúde público, pois ao comprarem produtos ou serviços pagam impostos e contribuições, que deveriam ser utilizados em serviços púbicos de saúde. Se hoje esses planos de saúde pública não atendem as aspirações da sociedade brasileira é porque o governo está utilizando recursos da seguridade social para pagamento de despesas que não são das atividades finalísticas de saúde, previdência e assistência social. A saúde está no balcão de negócios, por isso urge que todos os segmentos da sociedade acorram ao Parlamento para reclamar os seus direitos a uma saúde pública de qualidade, até porque a democracia só é dignificada com a participação de todos.
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