Raphael Sebba *
A Orla do Lago Paranoá ainda não é do povo. Falta muito pra termos uma cidade democrática, acessível, aberta à experimentação. Falta um sistema de mobilidade pensado pra além do trabalho, falta o fim da “Lei do Silêncio”, falta muita coisa.
Mas com certeza demos alguns passos importantes ao longo da última semana. Se a desobstrução da península ainda é materialmente pouco, simbolicamente é um oceano desses de encher o sertão.
Ver cair muros que pareciam mais rígidos pelos pilares invisíveis do que pela base de concreto muda a forma como as pessoas percebem a cidade, muda o imaginário coletivo. E essa mudança é ainda maior quando, associada à desobstrução, vemos um processo real de ocupação da orla pela população.
O Isoporzinho meteu medo. Quem lia as matérias em meados da última semana podia esperar uma catástrofe. Casas invadidas, pessoas machucadas, sujeira suficiente pra trazer o Lago aos velhos tempos de super poluição…
O resultado? Nada daquilo. Um assombroso contraste entre o que se fez querer crer e o que de fato aconteceu não deixou dúvidas do quão absurdas eram as previsões pessimistas e tendenciosas.
Tanto lá quanto na Ermida, que também recebeu milhares de pessoas mobilizadas pelo desejo de ocupar o que lhes é de direito, o que vimos foi uma população alegre, pacífica, que catava seu lixo e queria tudo menos saber de briga. Nem uma queixa do som, nem um relato de agressão.
Cenário que tem se repetido, aliás, entre outros eventos semelhantes que surgiram em Brasília. Mas mesmo com tantas boas experiências, parece que o que deveria ser natural ainda causa medo. Parece que o uso social do espaço público ainda é estranho a quem se acostumou a ver uma cidade segregada, que priva as pessoas de a vivenciarem, que distancia e silencia.
Ao final de tudo, o que aprendemos?
1º: A opinião publicada na imprensa é legítima e muitas vezes de qualidade. Mas não é única nem livre de parcialidades. É preciso ter muita atenção, é sempre preciso ter opinião!
2º: As pessoas são capazes de usar e cuidar da sua cidade, são criativas, são solidárias, são capazes de construir ambientes inclusivos, democráticos, pulsantes e dinâmicos.
3º: A orla será do povo sempre que o povo usar a orla. Mais importante do que desocupar, é reocupar, ressignificar, dar novos significados ao que outrora foi o símbolo do status que segrega, da restrição que exclui.
Por fim, o 4º e mais importante ensinamento é ver que O POVO AINDA METE MEDO! A polvorosa, o pânico, o receio só se sustenta em quem não está acostumado a ver o povo empoderado, a massa autônoma e descontrolada. Sem controle, sim, mas não sem sentido. As movimentações sociais não têm dono, mas têm racionalidade, são movidas por sentimentos compartilhados e por experiências comuns. De Jesus de Nazaré à queda da Bastilha, em Paris ou em Brasília nada mais assustador do que gente que sonha e realiza, que pensa, fala e faz uma vida que faça sentido!
* É um dos organizadores do Isoporzinho na Orla do Povo.
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