Há algum tempo procuro na grande mídia brasileira janelas para as campanhas cívicas contra o que costumo chamar de “déficit de cidadania” de nossas elites. A exemplo do que já fizeram grandes grupos de mídia no mundo mais civilizado, desde a BBC inglesa até a Fox americana e, acreditem, a Televisa mexicana. Vão intento. Como se nossas elites já tivessem se conformado de vez com a falsa crença de que é preferível não se expor a disputar espaço da opinião pública com os donos da res publica, propriedade privada dos políticos profissionais e não de todos os cidadãos eleitores e pagadores de impostos. Atribuo a esta omissão o nosso maior gargalo.
Como se de fato pudéssemos prosperar economicamente num ambiente político tão devastado quanto o nosso. Todavia, algumas de nossas melhores cabeças já concluíram que chegamos ao limite. Para além dos gargalos tangíveis da gestão do setor público, nosso maior gargalo é a crise de valores do setor privado. O que significa dizer que se passa no campo de nosso imaginário social. E que temos de agir urgentemente na trincheira da mídia para promover o resgate de valores morais de nossa cultura política.
Para ir direto ao ponto, examinemos os termos da recente discussão sobre mídia de massa e a corrupção de valores de nosso imaginário social, perpetrado pela declaração da dupla de noveleiros campeã de audiência, Gilberto Braga e Denis Carvalho, tentando justificar a baixa audiência do atual folhetim Babilônia. – “O Brasil encaretou”, dizem eles, numa clara inversão de posição. Se a vontade soberana do público sempre determinou os rumos da narrativa da teledramaturgia, a dupla quer defender o oposto: sua narrativa é que deve determinar nosso imaginário social.
No campo do jornalismo, um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, mesmo que na corajosa função de animador de auditório do programa Na Moral, debatendo o tema do papel da TV na evolução – ou involução? – da moralidade pública, pontificou: “Nestas cinco décadas muitas vezes a TV Globo foi acusada de ser conservadora demais pelos liberais e de ser liberal demais pelos conservadores. Muitas vezes as duas coisas ao mesmo tempo e pelos mesmos motivos. Alguma coisa a gente deve estar acertando!”
Evidente que não se trata de questionar uma frase solta no ar, mas o caminho que talvez esteja a trilhar o maior grupo de comunicação brasileiro, suas escolhas e responsabilidades, sobretudo na formação da opinião pública brasileira, em meio século de absoluta liderança de audiência. Que escolha, pois, está em jogo para a Rede Globo? O de marchar junto com a sociedade real que não aceita a revolução cultural levada avante nas últimas décadas pela mentalidade esquerdista infiltrada no aparelho ideológico da sociedade brasileira, como escolas, justiça, igrejas e imprensa?
Ou a de marchar contra a revolta que segmentos cada dia maiores da sociedade, como religiosos, grande parte da classe média, trabalhadores especializados, pequenos empreendedores, profissionais liberais, donas de casa, estudantes etc estão a manifestar nas ruas e nas redes sociais contra o flagelo da corrupção política?
Não há dúvidas para a jovem da família-modelo entrevistada na última edição do programa. Logo no início, aliás, é de se observar a reação em áudio dos membros da família diante das cenas de sexo implícito e na declaração explícita de desaprovação da jovem que arrancou aplausos da plateia.
A própria chamada de apresentação no site oficial da emissora comete um lapso cognitivo ao se referir apenas ao trecho do seu depoimento sobre “os valores como união e amor que devem ser destacados na TV.” Quando o que a jovem denuncia é exatamente a afronta que as novelas fazem à família dando destaque exagerado à homossexualidade, sob o falso argumento de que a sociedade evoluiu e aceita com tranquilidade cenas de ativismo gay.
E mais: contra a assertividade conservadora de um dos debatedores, o pastor Silas Malafaia, fizeram coro os demais quatro relativistas morais escalados para o debate. Resta saber se estavam representando e defendendo a própria obra da TV Globo em seu meio século de atividade, o autor de novela Silvio de Abreu, o humorista Jô Soares, a desembargadora (e ativista gay segundo o pastor Malafaia) Maria Berenice e o próprio Pedro Bial.
Que me desculpe o apresentador, mas a sua conclusão está equivocada. Não sou eu que o digo. Basta que ouçam a declaração da jovem sem preconceito: a sociedade brasileira retratada pela telinha global não é a sua sociedade. Seria melhor afirmar: – “alguma coisa a gente deve estar errando”! Exatamente por que todo o discurso dominante da TV Globo, no campo dos costumes, nunca foi conservador e reflete o mesmo relativismo moral do campo político. Sobretudo pelo seu jornalismo denuncista de uma corrupção sem-fim da vida pública. Com o previsível e lamentável resultado de que a política é o lugar por excelência da transgressão atávica da própria sociedade.
Atividade de predadores sociais, sem espaço para os valores morais que a teledramaturgia está a relativizar. Fato agravante é que em todas as demais áreas do jornalismo esportivo, de saúde, trânsito, meio-ambiente, educação e cultura, as demais redes de TV, inclusive a Globo, já apostam num jornalismo cívico. Que convoca o cidadão comum para contrapor com suas iniciativas e propostas as notícias investigadas. Um jornalismo livre deste cancro de nosso imaginário social do relativismo moral imposto pela própria teledramaturgia soi-disant progressista.
É forçoso concluir, diante da crescente audiência dos programas evangélicos das demais redes privadas de televisão, que a TV Globo não tem sido nem o espelho nem a janela, como declara Bial, da sociedade brasileira, não reconhecida pela sua própria entrevistada. Mas sim uma lente de aumento de sua própria crise de valores morais na medida em que escolhe deliberadamente pela cobertura de um jornalismo político denuncista, e como a única área em que omite o civismo exercido em todas as demais áreas do jornalismo.
Escolha colimada por uma teledramaturgia prenhe de relativismo moral e valores corrompidos pela lavagem cerebral produzida pela revolução cultural esquerdista. Aos que argumentam que isto é histeria persecutória dos conservadores, vale lembrar que a epidemia do politicamente correto nada mais é do que uma nova versão mais polida do paradoxal lema da autocensura de maio de 68 “É proibido proibir”, importado (e vaiado) na canção de Caetano Veloso no Festival da TV Globo do mesmo ano.
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