Mário Gonçalves Júnior*
Enquanto se intensificam campanhas para conscientizar as pessoas a não usarem sacolas plásticas nos supermercados, o governo comemora recordes de redução do desmatamento da Amazônica, o Ministério do Trabalho achou de adotar uma máquina de marcação de ponto que cospe papel o tempo todo.
A Portaria 1510 do Ministério do Trabalho, instituindo as regras para utilização da nova máquina, promete consumir hectares e mais hectares em papel para fornecer diariamente aos trabalhadores comprovantes dos registros de horário.
Eis que o Direito Ambiental se pôs em campo, invadindo até mesmo o Direito do Trabalho. A Juíza da 48ª Vara do Trabalho de São Paulo concedeu liminar desobrigando empresas representadas por uma determinada associação de cumprir a Portaria 1510, escolhendo como um dos fundamentos justamente a ceifa das árvores: “…a impressão ensejará um gasto indesejável com papel e tinta, contrariando a tentativa de preservação do meio ambiente, que vem sendo uma bandeira de luta mundial e que o uso do sistema de papel, hoje na era da informatização, denota retrocesso, além de não impedir a fraude, uma vez que é possível o empregado registrar a saída, imprimir o comprovante e retornar ao trabalho, da mesma forma que acontece atualmente”, considerou a magistrada.
Num mundo de alta tecnologia, cada vez mais digital e virtual, onde até o Judiciário investe toneladas em informatização, o Ministério do Trabalho destina às papeladas milhares de empresas e milhões de trabalhadores, restringindo o uso de entradas USB apenas aos auditores-fiscais do trabalho, talvez imaginando que a aquisição e uso de pen drives seria inviável econômica e culturalmente pelos próprios trabalhadores, o que não deveria ser aprioristicamente dado como obstáculo, mas sim como um desafio. O que não se pode mais é segregar, a pretexto de nossas crônicas ignorância e desigualdade, relegando a maioria ao século XIX. Custo por custo, aliás, o de aquisição das novas máquinas pelas empresas não teve a mesma atenção do Ministério, embora na proporção (a Portaria não distingue pequenas de grandes empresas) até deveria.
A intenção é boa, o resultado previsto nem tanto. A marcação e impressão individual de comprovantes na entrada, intervalos e saída do trabalho estima-se que consumirá o dobro do tempo em comparação com o atual sistema, formando enormes filas de trabalhadores ociosos para marcação do ponto, refletindo negativamente na produtividade das empresas. O Tribunal Superior do Trabalho não considera hora extra o tempo consumido na marcação de ponto que não ultrapasse cinco minutos na entrada e outros cinco minutos na saída do expediente. Se a nova máquina vingar, esse conceito terá que ser alterado, sob pena de se onerar ainda as empresas com milhares de horas extras por ano. Tudo isto, repise-se, à custa do sacrifício de milhares de árvores.
Faz lembrar o palanque histórico de uma das candidatas à Presidência da República que vivia repetindo, mesmo quando ainda era ministra, que a preocupação ambiental deve ser partilhada por todos os demais Ministérios, por “permear” todas as grandes decisões em qualquer área. O Ministro do Trabalho pode ter esquecido deste detalhe ou não dado a devida importância. Mas o Judiciário Trabalhista ensaia dar, e muita. A liminar mencionada não é a única, já existem outras se espalhando pelo país afora, assim como há também liminares indeferidas, colocando definitivamente a polêmica na ordem do dia.
A ótica ambiental nem seria central, desacostumados que estamos de lançar mão, ainda, da defesa do meio ambiente em tudo, tanto assim que o deputado Arnaldo Madeira propôs projeto de Decreto Legislativo no sentido de cassar a Portaria 1510, justificando que o Ministério do Trabalho legislou onde não poderia legislar, substituindo o Congresso Nacional e, portanto, ferindo a Constituição Federal no seu princípio da legalidade (ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei).
Em nome das árvores da Amazônia ou não, a Portaria 1510 está sob fogo cruzado. É esperar pra ver se prevalece o desmatamento ou o pretendido controle mais eficaz da jornada dos trabalhadores, por razões verdes ou de outras matizes.
Ainda que inconfessáveis outros interesses econômicos pudessem estar camuflados de responsabilidade ambiental, se esta se cumpre, importa é que se escreva certo ainda que por linhas tortas, até porque as intenções sempre são de pouca valia.
*Advogado do escritório Rodrigues Jr. Advogados e pós-graduado em Direito Processual Civil