Coriolano Xavier*
Quando se discute desenvolvimento florestal, sob o enfoque de uma política de longo prazo, alinhada a demandas nacionais projetadas e oportunidades do mercado internacional, normalmente vêm à tona três objetivos estratégicos:
- mais do que dobrar a área de florestas plantadas no país em 10 anos, saindo dos atuais 7 milhões de hectares plantados para cerca de 15 milhões;
- apoiar a modernização contínua das cadeias produtivas derivadas da madeira – como papel, celulose, bioenergia (lenha, carvão vegetal e pellets), toras industriais, madeira serrada, painéis de madeira e móveis;
- estruturar e regulamentar o mercado de madeira, tornando-o moderno e harmonizado com metas de sustentabilidade ambiental.
Isso tudo não é nenhum disparate. É viável, aparentemente. Mas, em tempos de Código Florestal, pouco se fala (ou falou) do assunto, que já há uma densa proposta de política pública (preparada no âmbito da SAE), parece que ainda meio sem rumo definido, nos circuitos de governança do Estado brasileiro.
O conceito que está por trás de propostas como essa chega a ser simples: alavancar e modernizar o setor florestal brasileiro, aproveitando os diferenciais competitivos que temos para a produção e manejo econômico de florestas plantadas, particularmente quanto a terras, água e sol.
Afinal, nossa tropicalidade permite cortar um eucalipto em sete anos, enquanto a produção florestal de áreas temperadas tem que esperar até 30 anos para ser cortada.
Entre aqueles três objetivos estratégicos citados de início, vamos dar uma espiada pelo menos naquele para o qual talvez se tenha o menor know-how acumulado, aqui no país: o desafio de se regulamentar um mercado nacional de madeira, segundo os valores hegemônicos de sustentabilidade do século XXI.
Que impacto positivo isso teria, por exemplo, para a nossa cultura de sustentabilidade?
Organizar a comercialização de madeira significa criar um ambiente mercadológico formal, favorável ao desenvolvimento de certificações de origem, favorável à rastreabilidade e à fiscalização da madeira ofertada. Pode-se até arriscar e dizer que é estratégia bastante eficaz (talvez uma das melhores) para tornar não competitiva a madeira oriunda do desmatamento clandestino, reduzindo assim a pressão sobre as florestas nativas.
Além disso, na poeira de mudanças de paradigmas como esses, podem vir muito mais coisas. É só desenvolver. Por exemplo: existe ambiente mercadológico para se formar um segmento agroindustrial florestal forte, no Brasil, equiparável aos poderosos setores sucroalcooleiro, de carnes e do complexo soja. E isso poderia ser uma cartada essencial para reforçar e diversificar nossa posição de liderança no mercado mundial de commodities.
A urbanização e elevação do padrão de vida de milhões de pessoas no mundo – algo que está em curso, principalmente nos países emergentes – manterá aquecida a demanda por alimentos, materiais de construção e bioenergia. E não vamos esquecer que a queima do carvão vegetal, lenha e resíduos da indústria florestal vem representando cerca de 10 a 12% da geração total de energia do país, nos últimos anos. A madeira, enfim, é a nossa quarta fonte mais importante de energia primária, depois dos hidrocarbonetos, da cana-de-açúcar e da hidreletricidade.
Os técnicos mais entusiasmados costumam dizer: o Brasil tem condições de ser potência florestal em 2020-25, como são os EUA, Canadá, China e Rússia.
Para isso, costumam colecionar alguns números: a área plantada de florestas brasileiras pode crescer cerca de 1 milhão de ha/ano, se houver uma ação coordenada de fomento; com um mercado organizado de madeira legal – dizem – poderemos proteger melhor florestas nativas, gerar uma indústria moderna consumidora de madeira e talvez triplicar as exportações brasileiras de produtos de origem florestal – hoje na casa dos US$ 7 bilhões/ano e concentradas em celulose.
Na metade do século passado o Brasil gritou “O petróleo é nosso” e fizemos a virada do século XXI já com um gostinho de auto-suficiência e de país exportador. Quem sabe não é o momento de gritar “A madeira é nossa”, não em um sentido nacionalista, nem extrativista, mas sim na perspectiva de um agronegócio ético, modernizador, ambientalmente consciente e socialmente responsável.
*Conselheiro do CCAS (Conselho Científico para Agricultura Sustentável – http://www.agriculturasustentavel.org.br/)