Robert Mundell, prêmio Nobel de Economia em 1999, formulou o mundialmente reconhecido “trilema” da política econômica. Segundo Mundell, numa economia aberta, a escolha de um objetivo impõe restrições sobre outros (como tudo na vida, parênteses meus), tornando impossível obter, simultaneamente, três metas: 1. livre mobilidade de capitais; 2. taxa de câmbio fixa, e 3. autonomia para fazer política monetária voltada para dentro, ou seja, com o intuito de elevar ou reduzir a taxa básica de juros (Selic) para controlar a inflação. Aplicando o trilema de Mundell à realidade brasileira, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, precisa optar por duas entre essas três metas. Não pode perseguir as três ao mesmo tempo, como vem fazendo. É dar murro em ponta de faca.
É inquestionável o valor da livre mobilidade de capitais na eficiência econômica (o número 1 do trilema). Sobre este ponto, basta dizer que não é intenção de ninguém aqui (muito menos da autora) advogar em favor do que acontece na Venezuela, Argentina e em Cuba, por exemplo. Investidores são bem-vindos no Brasil (sim, pagam impostos), têm o direito assegurado de retirar o principal mais lucro, e brasileiros podem usar cartões de crédito no exterior, sem limites estipulados pelo governo.
A despeito de o Banco Central continuar se comportando como se o teto da meta de inflação fosse o centro (o centro da meta do IPCA continua sendo 4,5%, mas a expectativa no médio prazo se mantém ao redor de 6,0%), o governo jura que não abandonou este pilar do tripé (o número 3 do trilema de Mundell). O BC usa a Selic como instrumento para que a inflação não saia do controle, aumentando a taxa (ou, como faz agora, como medida expansionista, para alavancar a economia, diminuindo a Selic). Em coluna de 11-10-2011, alertei sobre os perigos do flerte com o dragão inflacionário, inclusive indicando a situação atual – “A equipe econômica não dá espaço para possíveis fatores externos: se alguma crise ou acidente impactar o preço dos produtos primários (por exemplo, o petróleo), estaremos muito além da meta de inflação em 2012.” O fato é que o governo deveria fazer política monetária voltada para dentro seriamente, e não apenas controlar a inflação com uma mexidinha aqui, outra ali e muitas pitadas de sorte.
Já deve estar claro para o leitor (não para a equipe econômica) que a meta número 2 do trilema de Mundell (regime de câmbio fixo) precisa ser abandonada, sob o risco de contaminar o sucesso da política monetária. Eu explico: a taxa de câmbio deixou de flutuar em meados de 2012 para oscilar entre 2,00 e 2,10, no máximo. Não houve anúncio oficial, mas o mercado todo está sabendo. É isso mesmo: o Banco Central só intervém dentro dessa estreitíssima faixa, de dez centavos. Não deixa o dólar valer menos de 2,00 reais para não prejudicar os exportadores. Não permite que suba acima de 2,10 para não pressionar a inflação. Na prática, é um regime de câmbio semi-fixo (aliás, uma reviravolta em um dos pilares do tripé econômico, de câmbio flutuante).
O câmbio semi-fixo precisa ser abandonado porque é incompatível com o instrumento da Selic como controle da inflação. Por exemplo: de um lado, o governo pode aumentar a taxa de juros para diminuir a quantidade de reais em circulação, e, assim, a pressão sobre a inflação; do outro, com menos reais no mercado, pela lei da oferta e procura, o real se valoriza – o que acaba anulando os efeitos da tentativa de câmbio semi-fixo. Ou o contrário, o governo pode diminuir a Selic para aumentar a quantidade de reais em circulação (estimulando a economia, como faz agora), o que desvaloriza o real, anulando mais uma vez o sucesso da política de câmbio semi-fixo. É o murro em ponta de faca de que falei. Parece que o Ministro Mantega gosta de sofrer.