Esta semana li, repassado pelo site do Nassif, uma entrevista do escritor norte-americano Philip Roth (famoso pelo romance Complexo de Portnoy, publicado nos anos 70 – dizem que ele teria inventado a “síndrome da mãe judia”) onde este afirma que a cultura do livro está acabando, corroída pela tecnologia, e que nos próximos vinte anos a tradição literária já não mais influenciará os jovens.
Curioso é que, ao longo da reportagem, ele também afirma que “não faz a menor idéia do que acontece no Brasil” e que só leu um único romance brasileiro em toda a sua vida, As Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis: “Um livro interessante, se bem que muito influenciado pelo inglês Lawrence Stern de Tristam Shandy (sic…)”. O que é verdade. E é mentira (aliás, os anglo-saxões ficaram com a mania de se arrogar a autoria de todas as idéias e toda a cultura humanas dos últimos dois mil anos – algo como “uma inflação de ego de proporções cataclísmicas”!)
Bom, fica complicado dar crédito a alguém que vaticina o fim da cultura literária mundial num futuro próximo, quando o sujeito não só desconhece completamente o Brasil (bem como vários outros países), consequentemente nossa literatura, salvo Machado, autor do século XIX, não acham? Um fóssil literário que confessa não sair há anos de seu apartamento em Nova York e muito menos viajar, também há anos, sequer para receber prêmios literários.
Independentemente do fato de ser um grande escritor (ainda) vivo, o mínimo que se pode pensar é que Roth está literalmente por fora.
Outro dado importante: ele parece esquecer que a arte – qualquer uma, seja literatura, cinema, artes plásticas – necessita da materialidade para se realizar enquanto obra significativa (ou não). Por outro lado a tecnologia, internet incluída, é, em essência, a “cultura do imaterial”, do impalpável e do perecível. Desaparecimentos Inc.
E outro dado ainda mais importante, que fica no subtexto: Roth faz suas afirmações (isto é, afirma ignorâncias diversas) com um certo orgulho, uma velada ironia e aquela definitiva ponta de arrogância, comum aliás ao norte-americano típico que declara cinicamente não saber das coisas, precisamente pelo fato de não precisar sabê-las (a respeito, vide Jameson, A Cultura do Dinheiro).
Vivendo no centro do mundo (não seria universo?), tal ignorância displicente em relação aos outros povos e culturas é literalmente política. Mas também pode ser letal.
De forma que voltamos à política. E aos Estados Unidos. O movimento mais importante que está ocorrendo no mundo hoje é o Occupy Wall Street e algumas frases de Slavoj Zizek, também ali presente, comprovam – além de outras coisas – a óbvia liquidação dessa aposta absurda na imaterialidade do real, que é como o capitalismo se comporta hoje no mundo todo, aludida acima.
Zizek: ”O casamento entre democracia e capitalismo acabou. Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que os acusam de ser contra a democracia. Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.”
“Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, ele cai. É o que fazemos aqui: estamos dizendo aos rapazes de Wall Street: Ei, olhem para baixo!”
“ Em abril de 2011, o governo chinês proibiu na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho! Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar. Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir o planeta, toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo!”
Então, como é que fica? Quando se destruir a capacidade de sonhar, imaginar realidades alternativas, aí sim, será o fim da civilização. Contudo, paradoxalmente, é preciso ter os pés bem plantados na realidade – na materialidade – para fazê-lo, pois é ISTO que nos torna artistas (bem como cientistas, etc.). O resto é surrealismo capitalóide: não existe.
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