Um dos nossos mais conceituados cientistas políticos, José Luís Fiori, demorou um pouco para se manifestar e quando o fez, nesta quinta-feira, 30/9, às vésperas duma histórica eleição presidencial, propôs um diagnóstico para o maior paradoxo já vivido pelo Brasil, manifesto principalmente a partir do segundo mandato do governo Lula: o abissal distanciamento entre a posição da grande mídia e o que pensa a maioria da população, uma vez que, apesar dos avanços da internet, ainda é inegável seu poder no agendamento do debate público, como no caso do rádio e da tevê.
Segundo Fiori, a América Latina e o Brasil estão vivendo um desses momentos de “revolução intelectual”, uma mudança radical da sua forma de olhar para si mesmo e para o mundo. De um lado, observa-se um “paradigma intelectual” em franco declínio, incluindo ideias e teorias, sejam de esquerda ou de direita, que já não dão conta das transformações do continente em geral, e do Brasil, em particular. Suas idéias soam como chavões velhos e repetitivos, razão pela qual interpretam as novidades em ascensão de forma extremamente reativa, defensiva e medrosa. Isto é, como ameaças.
Os “intelectuais orgânicos” desse velho paradigma continuam fascinados pela idéia do “fim”, seja da democracia, do capitalismo, das espécies, dos estados-nação, da História ou da própria Terra; outros, prosseguem lamentando as “imperfeições constitutivas” da sociedade latino-americana – tão distantes dos seus modelos ideais de sociedade civil, de classe social, de partido político, ou mesmo, de estado e de capitalismo, nostálgicos e apegados ao bom e velhíssimo hábito de manter as “idéias fora do lugar”.
E quase todos apavorados, julgando-se ameaçados por supostos “populismo”, “nacional-desenvolvimentismo”, “estatismo” ou “assistencialismo”, entre outras alucinações passadas, sem perceber que as velhas teorias sociológicas e econômicas descolaram-se da realidade, bem como perderam a eficácia como ferramentas analíticas e instrumentos estratégicos voltados para a construção do futuro. A despeito de ainda não terem emergido novas teorias e análises críticas e do próprio continente não ter superado seus grandes desafios sociais e econômicos, já se pode falar de uma “revolução intelectual”, um novo “paradigma”, porque já se consolidou uma nova maneira do continente olhar para si mesmo e para o mundo, vistos agora como escolhas a serem feitas a partir de sua própria identidade e de seus interesses.
Quer dizer, comprovamos agora que temos alternativas, sobretudo após a crise mundial de 2008, ao contrário da apregoada TINA, “There is no alternative”, cunhada por Thatcher e repetida por FHC, o já velhíssimo clichê do neoliberalismo financeirizado que ora agoniza no Ocidente, uma vez que as escolhas do governo Lula caminharam na direção oposta, isto é, no sentido de voltar-se para o mercado interno, promover a inclusão social, aliar-se aos vizinhos e demais países do Bric.
E deram certo.
Concluindo sua análise, Fiori lembra: “Certa vez, Jean Paul Sartre disse que era mais fácil ser escravo do que senhor, e talvez, seja mais fácil pensar como escravo do que como senhor”. Mas depois desta “revolução intelectual” da America Latina, já não há necessidade de ninguém seguir pensando como escravo, ou mesmo como aluno primário das “civilizações superiores”.
Civilizações estas que, ultimamente, só têm julgado o Brasil positivamente, uma visão de fora que pesou de forma extraordinária na balança, fazendo o brasileiro recuperar seu orgulho espezinhado durante séculos, além de começar – também pela primeira vez em séculos – a levar a sério seu país. A propósito, relembro a nunca por demais esquecida frase do presidente De Gaulle, dita nos anos 50: “O Brasil não é um país sério.” Frase que, hoje, só faz sentido para a mídia demotucana, prestes aliás, a sofrer uma derrota histórica. Que descanse em paz.
O fato é que o consenso popular, no plano interno, conjugado ao sucesso midiático, no plano externo, indica que é chegada a hora e a vez do Brasil.