Claudio Versiani, de Nova York
Bunnatine Greenhouse é uma funcionária civil do Departamento de Engenharia do exército americano. Ela era, até agosto de 2005, a chefe do setor que analisava os contratos entre o Exército e as empresas privadas.
Em 2003, Bunnatine levantou dúvidas sobre alguns contratos com a subsidiária da Halliburton, Kellogg Brown & Root. Só para lembrar: a Halliburton é a empresa que foi comandada por Dick Cheney, antes de ele assumir a vice-presidência. A empresa tem contratos de mais de US$ 10 bilhões para a reconstrução do Iraque, segundo o jornal New York Times. Alguns desses contatos foram conseguidos sem licitação. Em junho de 2005, Bunnatine declarou a uma comissão do Partido Democrata, no Congresso norte-americano, que uma das peças que ela analisou era "o mais vergonhoso e impróprio contrato" que ela havia visto em toda a sua vida profissional. Ela também disse que o gabinete do secretário de Defesa, Donaldo Rumsfeld, interferiu para que a Halliburton ganhasse o contrato.
Ela comprou uma briga com a poderosa dupla Cheney/Rumsfeld. Em agosto foi rebaixada sob a alegação de que seu trabalho era ruim, isso depois de 20 anos de carreira e oito como chefe do setor de auditoria.
Agora, em março de 2006, o gabinete do deputado democrata Henry Waxman liberou um relatório que analisou um dos contratos da Halliburton no Iraque. O estudo mostra que a empresa superfaturou custos várias vezes, "aparentemente de forma intencional". E ainda cobrou por serviços que já haviam sido feitos por outros. A empresa nega e diz que o relatório tem motivações políticas.
A idéia inicial do governo Bush era de uma guerra rápida e com um custo entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões. E algumas poucas mortes, pelo menos do lado dos "libertadores". O petróleo iraquiano financiaria a reconstrução do novo Iraque, democrático.
O New York Times publicou esta semana o memorando do governo inglês sobre um encontro, ocorrido em 31 de janeiro de 2003, em que George Bush e Tony Blair discutiram a já àquela época inevitável guerra contra o Iraque, mesmo sem a aprovação da ONU. Bush marcou até a data para o início dos bombardeios: 10 de março. O que fica claro é que Bush já tinha a guerra como certo, mesmo que os inspetores internacionais não achassem nenhuma arma de destruição em massa no Iraque.
É a guerra da mentira. Começou assim e assim segue até hoje.
Agora Bush admitiu que a retirada das tropas americanas é uma decisão para o próximo presidente. Ou seja, antes de 2008, nem pensar. E ainda diz que o culpado pela violência no Iraque é Saddam Hussein.
Bush citou a cidade de Tall Afar, que um dia esteve sob o domínio da Al Qaeda, como modelo para o Iraque democrático. O Exército americano mostrou aos jornalistas a parte boa da cidade. A revista Newsweek mandou um repórter independente e revelou que a historia não era bem assim. Ele encontrou outros bairros em que os moradores se sentem vivendo numa prisão, com barricadas por todos os lados. A própria polícia iraquiana avisou ao repórter que, se ele fosse a alguns lugares, provavelmente seria morto pelos insurgentes. Um morador sunita da cidade reclamou que os americanos fizeram da parte xiita da cidade o paraíso e transformaram a parte sunita num inferno.
E nada acontece, a guerra segue igual, matando mais de 50 iraquianos por dia, pelo menos nos últimos dias, enquanto o governo e a mídia dos EUA discutem se o Iraque está em guerra civil ou não. Melhor seria perguntar aos iraquianos o que eles pensam. Foi o que fez o repórter Stephen Pizzo, do blog News for Real. Seguindo uma sugestão de Bush, que anda reclamando que a imprensa só publica notícia ruim, ele pesquisou blogs iraquianos na "internets", como diria o presidente americano.
O que o repórter encontrou, Bush não gostaria de ler. Os iraquianos atestam que estão vivendo uma guerra civil religiosa: sunitas de um lado e xiitas de outro. Para eles, não ter mais Saddam Hussein é uma boa coisa, mas o resto piorou, principalmente a segurança. No Iraque, mata-se por nada e por tudo. E todos querem os americanos fora do país. Bush não gosta de ler jornais. Não se sabe se ele navega na "internets".
Não se interessando pelas notícias, o presidente não precisa saber que os soldados americanos estão encalacrados no meio de um pesadelo. Que eles só se sentem seguros dentro da chamada zona verde ou dos quartéis. Que a maioria deles está tratando de sobreviver, e todos querem voltar vivos e inteiros para casa. Que soldados americanos estão executando iraquianos civis, como relatou a revista Time e os jornais ingleses The Independent e The Sunday Times.
O presidente também não gostaria de saber que muitos soldados americanos estão pedindo asilo no Canadá, tentando evitar uma viagem em que só se tem a certeza da passagem de ida. A volta pode ser dentro de um caixão.
Depois de 2.323 americanos mortos, 204 mortes entre os enviados da coalizão de Bush e Blair, 17.269 feridos (7 mil dos quais ou sofreram amputações ou foram gravemente atingidos) e de cerca de 37 mil iraquianos mortos, de acordo com o site http://www.iraqbodycount.net/, a guerra do Iraque já não comove o cidadão americano comum. A aventura de George Bush custou ao contribuinte US$ 1.000.000.000.000, isto mesmo, um trilhão de dólares, segundo estudo recente de dois professores, um economista da Universidade de Columbia, Prêmio Nobel de economia, e outro da Universidade de Harvard.
No aniversario de três anos, o protesto contra a guerra em Nova York só reuniu um bando de manifestantes que foram encurralados nas barricadas que a polícia montou na Times Square. Em 2003, grandes manifestações de algumas centenas de milhares de pessoas tomaram de assalto as ruas dos EUA. Em 2006, os organizadores não conseguem pôr mais de mil pessoas nas ruas da metrópole. A guerra é um fato mais do que consumado. E pior, vai demorar um bom tempo ainda para acabar.
A diferença entre os protestos de agora e os contra a guerra do Vietnam é que naquela época o alistamento era compulsório. Quem podia dava um jeito de não ir. O presidente Bush não foi. Hoje os filhos da classe média estão protegidos: só entra para as Forças Armadas quem quer ou precisa. Os pobres se alistam de olho nas vantagens oferecidas, como ajuda financeira. Negros e latinos compõem uma boa parte das Forças Armadas, fazem parte do contingente bucha de canhão.
O movimento antiguerra não ganhou os corações e mentes dos norte-americanos. A grande maioria silenciosa, que discorda da guerra, não sai de casa. Na rua, só os militantes (veja fotos).
Em abril, eles prometem uma manifestação como a de 2003. Quem viver, verá.