No dia 2 de novembro, dois juízes da Alta Corte na cidade de Londres, deferiram o requerimento de extradição do Reino da Suécia contra Julian Assange, fundador de Wikileaks. (Vide). Neste caso, os magistrados tinham um pretexto legal para essa decisão, pois o European Arrest Warrant (Mandato Europeu de Prisão, EAW) tem transformado toda a Europa (incluindo os atrasados países da parte oriental) num presídio unificado. Fortes críticas a essa forma de extradição sumária têm sido feitas por numerosos movimentos, como Fair Trials International (Vide).
Esse mandato foi introduzido na União Europeia através do Acordo de Laken, celebrado na vila do mesmo nome (Bruxelas, Bélgica) em dezembro de 2001. O EAW permite que um pedido de extradição possa ser resolvido integralmente pelo poder judicial, desde que o extraditado não seja refugiado reconhecido, esteja num dos países da União Europeia signatários do acordo e seja requerido por um estado nas mesmas condições. Ativistas e ONGs de Direitos Humanos têm observado a forma arbitrária em que estes EAWs são emitidos, às vezes por infrações triviais, outras por antagonismo político, quase nunca por razões de peso. Esse excesso de atribuições da justiça, mesmo restrita a países que se consideram “afins”, foi sempre motivo de preocupação das ONGs que protegem refugiados e até do próprio ACNUR.
Aliás, os juízes do país requerido, embora estudem sumariamente as condições em que o perseguido foi indiciado ou processado no país requerente, partem do suposto contrário à presunção de inocência. Sua presunção é que a autoridade perseguidora atuou limpamente. Muitas pessoas não entendem por que, ante a existência de tamanha “fé” nos sistemas judiciais alheios, os países da UE não formam uma única comarca. É verdade que os códigos penais variam (ninguém cumpre mais de 21 anos de prisão na Noruega, enquanto alguém pode pegar “várias” prisões perpétuas na Itália), mas o desdém mostrado pelos direitos do extraditado sugere que processos draconianos não seriam incompatíveis com o espírito deste sistema.
No caso de Julian Assange, o julgamento a que sua extradição foi submetida pelos dois juízes da Alta Corte mostra vários fatos irregulares, que aumentam as dúvidas sobre a licitude e a intenção do processo. (Ver o site Sweden vs. Assange.) O fundador de Wikileaks foi denunciado na Suécia por duas mulheres com base em alegados atos de assédio sexual e até de estupro, mas não foi possível exibir nenhuma prova minimamente crível. Como outros países escandinavos, a Suécia é conhecida por sua eficiente democracia, e por seu baixo índice de violações dos direitos humanos, em especial, pelas condições humanas do tratamento prisional (se é que o encarceramento pode ser considerado humano em alguma circunstância). Entretanto, desde a diminuição do poder da esquerda, que sempre tinha sido muito forte, e das pressões neoliberais e neofascistas sobre a neutralidade do país, o Reino da Suécia se tornou mais condescendente com as exigências americanas e da Otan, e hoje até possui um acordo bilateral de extradição com os EUA.
Mesmo entre os que se manifestam a favor da extradição de Assange da Suécia, ninguém mostra muita firmeza na crença de que ele seja realmente autor de estupro, e paira de maneira geral a crença de que o incidente foi utilizado para intimidar o cientista australiano e, eventualmente, colocá-lo numa situação de vulnerabilidade, onde possa ser sequestrado por comandos americanos. É importante lembrar que várias altas figuras da política americana insistiram na necessidade de que Assange seja executado, pois as revelações feitas por Wikileaks sobre os crimes contra a humanidade dos EUA e os atos de terrorismo contra os povos islâmicos podem enfraquecer as aventuras imperiais do Pentágono.
A Suécia se orgulha desde há mais de 60 anos do avanço de seus hábitos em assuntos referentes a sexo, feminismo e falta de censura contra o erotismo (embora exerça um rigoroso controle de veículos que fazem propaganda da violência e do racismo). Essa confiança em sua desmistificação dos antigos tabus cristãos que dominaram a região há séculos combina com uma intensa sensibilidade a qualquer atitude que possa parecer coação para obter relações sexuais. A base da felicidade da vida sexual na Suécia reside na quase absoluta falta de preconceitos, o que é incompatível com a existência de coação, assédio e, com maior razão, estupro, que são frequentes em países com traços puritanos ou repressivos, como na América Latina, os EUA, Espanha e outros.
Estupro é um dos poucos crimes para os quais a lei sueca é dura (na prática, a pena máxima é de cinco anos de reclusão, embora em teoria seja de dez anos), mas mesmo assim é muito menor que em países com ranço teocrático, como nas Américas ou nos países latinos da Europa. Entendendo que essa liberdade sexual exige absoluta harmonia, alguns movimentos feministas têm aumentado a perseguição de pessoas suspeitas de estupro, embora nenhuma prova sólida existisse contra elas. Como a liberalidade sexual na região (incluindo a Noruega, a Dinamarca e a Finlândia e outros países de Europa, como a Holanda) torna o assédio um ato bizarro, quase patológico, muitas suecas tendem a pensar que os estupradores são quase sempre estrangeiros, pois supõem que na Suécia ninguém é carente de vida sexual.
No caso de Assange, não existe nenhuma prova, e quase todos os juristas independentes coincidem em que ele não será condenado se fosse extraditado. Não entanto, é fundamental que todos os que defendem realmente a liberdade de expressão, se pronunciem contra a extradição. Há indícios muito claros de que os fatos denunciados, mesmo se beirassem certa realidade, foram superdimensionados pela mídia para produzir uma reação negativa por parte das feministas, que, embora bem intencionadas, estão sendo orientadas com o objetivo de calar Wikileaks.