Antonio Vital
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Muito se falou recentemente dos 40 anos do golpe de 64, de suas causas e conseqüências. Outra efeméride, decorrente da primeira, começa a ser lembrada, também com pompa, circunstância e a mesma falta de distanciamento que costuma contaminar as avaliações históricas: os 20 anos das Diretas Já, o movimento que mandou os militares de volta para os quartéis.
Eu tinha 17 anos em 1984 quando compareci, boquiaberto e maravilhado, ao comício das Diretas Já em frente à igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. Leonel Brizola era governador e liberou ônibus de graça para quem quisesse assistir ao mega-evento, que lotou uns 2 km da avenida Presidente Vargas, até a Central do Brasil. Olhar para trás e ver aquele mar de gente feliz, em fervor patriótico só comparável a tempos de Copa do Mundo, chegava a dar vertigem. O mais interessante, para o que nos importa hoje, é relembrar o palanque. Sim, porque aquele jogo de xadrez contra o regime militar estava sendo jogado pelos personagens que estavam lá em cima e discursavam a cada pausa da apresentação de Milton Nascimento e dos demais artistas engajados no movimento. Me lembro que estavam lá Brizola, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Dante de Oliveira – o deputado que apresentara a emenda constitucional que ressuscitava as eleições diretas para presidente da República – e, é claro, Lula. O sindicalista barbudo e radical já era um líder respeitado e popular, mas imaginá-lo no Palácio do Planalto, naquele momento, era o mesmo que planejar uma viagem de férias a Marte. O mar de bandeiras vermelhas na platéia também não tinha nada a ver com o Partido dos Trabalhadores, que mal completara dois anos na ocasião. Pertenciam ao PCB mesmo – para quem não lembra, era o Partido Comunista Brasileiro, o partido de Luiz Carlos Prestes, antigo nome do PPS de Roberto Freire, que de comunista não tem nada. O que aconteceu nos meses subseqüentes foi o seguinte: a emenda de Dante de Oliveira foi derrotada na Câmara por apenas 22 votos, votação ocorrida com o Congresso e Brasília tomados pelas tropas. Como não podiam mudar as regras do jogo, os personagens que estavam naquele palanque da Candelária partiram para um plano B e lançaram Tancredo candidato a presidente no Colégio Eleitoral. Tancredo ganhou de Paulo Maluf graças ao racha do PDS, o partido do governo. Os antigos aliados dos militares, capitaneados por gente como Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen e José Sarney, criaram a Frente Liberal, que depois deu origem ao PFL. Viraram avalistas, a partir daí, de todos os governos civis que se seguiram. Enquanto isso, os tênues laços que uniam os personagens do palanque da Candelária se esfarinhavam. Brizola perdeu o bonde da história e foi atropelado sem dó nem piedade pelo PT – o que não perdoa até hoje. Fernando Henrique e companhia romperam com Orestes Quércia em São Paulo, racharam o PMDB e criaram o PSDB, partido social-democrata que hoje disputa as mesmas bandeiras com o PT. E assim por diante. Bornhausen, ACM e Sarney foram essenciais, nos últimos 20 anos, para o que costuma ser chamado de "governabilidade". Os três, ou pelo menos dois de cada vez, apoiaram todos os governos a partir de então. Quando apenas um apoiou – no caso, Bornhausen, em favor de Fernando Collor -, o presidente caiu por absoluta falta de maioria no Congresso. Observe como Lula tem obtido maioria, ainda que pontual, no Congresso. É isso mesmo. A frente de direita que abandonou o barco dos militares e possibilitou a volta da democracia e a sucessão de governos civis dentro de relativa ordem institucional ainda existe. Nenhum partido, de esquerda ou não, consegue governar sem ela – ou sem facções dela. Sarney não conseguiu, Collor não conseguiu, Itamar não conseguiu, Fernando Henrique não conseguiu e Lula também não vai. Só falta o PT entender isso. |
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