Bezerra Couto
Depois de ver os vídeos selecionados pelo Edson Sardinha, neste Congresso em Foco (clique aqui para acessar), passei a ver estas eleições com mais simpatia. Tem graça ali, ali tem gente. Porque o problema da campanha de 2006 é que tudo parece muito distante da nossa realidade. Nossa, digo, do povo brasileiro, no qual me incluo. Em sua esmagadora maioria, os políticos soam tão artificiais, tão pouco críveis, tão desprovidos de preparo e espírito público que a grotesca cena do policial aposentado armado de luvas de boxe para golpear a corrupção inspira maior cumplicidade com o candidato que qualquer desses discursos decorados que os Geraldos agora nos atiram na TV.
Na disputa para o Congresso, volto a citar este site para falar da minha decepção em saber que mais da metade dos atuais deputados devem se reeleger (entre aqui para ver).
O que mais me agride a consciência, no entanto, é o maniqueísmo construído com a ajuda de boa parte da imprensa. Ele tenta fazer a população crer não apenas que o mundo se divide entre bons e maus. Ele exige que você concorde que os primeiros são os partidários do candidato conservador Geraldo Alckmin, os amigos da ética – gente como ACM, Roriz, Antero Paes de Barros, FHC, Heráclito Fortes, Marconi Perillo e tantos mais. Os outros, como diria o professor Cardoso, cultuam o demônio. Generosa, a poderosa máquina tucano-pefelista libera um, e somente um, salvo-conduto para os que ousam desafiar sua lógica: o benefício da burrice.
É assim. Se você não vota em Alckmin, no representante máximo da ética política que nos levará aos superiores altares da felicidade e da bondade, você é estúpido. Se vota em Lula, além de burro, é desinformado, ignorante. É essa ética que a nata da burguesia brasileira pretende conduzir ao Palácio do Planalto.
E tem um lado surreal na disputa para presidente. Ninguém discute programa. Os candidatos, desta vez, não deram a menor bola pra isso. O Alckmin divulgou o plano de governo dele só no último dia 20, dez dias antes da eleição. E, na hora de divulgar, me contou o mesmo Edson, só falou de dossiê Vedoin e de combate à corrupção.
O candidato do PSDB, como sabemos, é a pessoa capaz de trazer o país para os trilhos da moralidade. Diz que “o Collor caiu por muito menos” do que o Lula fez. E fico com dificuldades ainda maiores para entender a ética tucana porque um dos maiores talentos do partido é, precisamente, a capacidade de evitar que suas fragilidades morais sejam discutidas e investigadas em público.
A venda da Vale do Rio Doce foi um escândalo? Há chance de que tenha sido sim, conforme demonstrou despacho de uma juíza que meses atrás mandou o processo andar, depois de anos parado (leia mais). A máfia dos sanguessugas surgiu e viveu seu apogeu, em plena era FHC, na sombra do PSDB e do Ministério da Saúde de José Serra e Barjas Negri? É o que tudo leva a crer. Alckmin permitiu que a Assembléia Legislativa criasse uma só CPI para investigar irregularidades de seu governo? Não, não permitiu, embora houvesse casos em que o Tribunal de Contas apontou atos irregulares avaliados na casa do bilhão. Coisa, portanto, de fazer qualquer mensaleiro ou sanguessuga parecer criança se divertindo em parque de diversões.
Quem me concedeu o privilégio da leitura outras vezes deve ter reparado que avalio de forma igualmente crítica o comportamento da oposição e do governo. Aquela, demagógica, hipócrita, muitas vezes leviana. Este, botando no ar um script completamente diferente do que se poderia esperar de Lula e do PT.
Mas, faltando poucos dias para as eleições, confesso que a oposição está conseguindo me indignar mais que o sempre atrapalhado governo Lula. O presidente operário e sua companheirocracia são responsáveis por um festival de deslizes éticos, verbais, políticos e administrativos. Sem falar da medrosa política econômica ortodoxa de Palocci e Meirelles. Apresentam, contudo, resultados (nisto Lula tem razão) que os doutores tucanos jamais foram capazes de entregar: inflação menor, mais empregos, exportações recordes e, sobretudo, uma inegável melhora na vida dos pobres.
O problema é que esses temas, que mexem pra valer com a vida das pessoas, ninguém parece interessado em debater. No salve-se-quem-puder das eleições 2006, estamos condenados ao teatro dos programas eleitorais, das frases de efeito anunciadas pra câmeras de tevê, do jogo de versões nunca comprovadas e de um brutal retrocesso no comportamento da mídia. Grande parte dela, em vez de fazer jornalismo, resolveu voltar aos tempos da imprensa partidária, ostentando indisfarçável militância pró-Alckmin. Pena que defenda sua causa sem avisar ao distinto público.