José Rodrigues Filho *
O escândalo da espionagem dos governos americano e britânico, utilizando as maiores corporações da internet, a exemplo da Google, Microsoft, Yahoo, Facebook e várias outras, conforme foi divulgado pelos jornais The Guardian, do Reino Unido, e Washington Post, dos Estados Unidos, não é novidade, mas deixa o mundo decepcionado, desacreditado e amedrontado com o poder secreto das corporações e do Estado. Para a maioria da sociedade americana é difícil acreditar que isto tenha acontecido no governo de Barack Obama, que prometeu uma sociedade mais transparente e ampliação das liberdades individuais do povo americano.
Neste mundo da internet, quanto maior for a conectividade, maior será a difusão de poder e a perda da privacidade e identidade. A nossa comunicação pessoal, através de e-mails, telefones e fotos, não pode ser seguramente confiada a corporações da internet baseada nos Estados Unidos. É lá que estão os servidores destas corporações, com capacidade de armazenamento de grandes bases de dados (Big Data). Quem não se lembra do caso quando a Google do Brasil criou dificuldades para repassar informações para a justiça brasileira, sob a alegação de que sua base de dados estava nos Estados Unidos? Para a Google, ela teria que atender a legislação daquele país e não a legislação brasileira.
Vale lembrar o que afirmou a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz sobre o caso: “Não se pode admitir que uma empresa se estabeleça no país, explore o lucrativo serviço de troca de mensagens por meio da internet – o que lhe é absolutamente lícito –, mas se esquive de cumprir as leis locais”.
Assim sendo, por mais que estas corporações afirmem que desconheciam o programa de espionagem do governo americano, denominado de Prism, só agora conhecido, é sabido que elas devem atender às ordens de seu país. Consequentemente, nós brasileiros e internautas de todo o mundo, como usuários da internet, podemos ser espionados a qualquer momento e de forma secreta, sem o nosso conhecimento e consentimento.
Além da possível espionagem do programa Prism, o mais greve é que nossas informações poderiam ainda ser repassadas para o programa de espionagem do Reino Unido, denominado de GCHQ. Uma vez que as leis britânicas não permitem a invasão de privacidade dos cidadãos britânicos, o GCHQ tinha acesso às informações não só dos britânicos, mas de cidadãos do mundo inteiro, oriundas da base de dados destas corporações localizadas nos Estados Unidos, por intermédio do programa Prism.
Um fato que nos chamou a atenção é que há poucos dias as Nações Unidas publicaram um relatório afirmando que uma extensa fronteira da vigilância secreta não é mais uma teoria de conspiração, mas uma crescente realidade. Neste caso, a instituição quebrou uma longa tradição de se manter relativamente silenciosa em relação à vigilância estatal. O relator das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, Frank La Rue, afirmou que os governos devem agir para proibir a comercialização de tecnologias de espionagem e vigilância e criticou as empresas que habilitam a vigilância em massa e violam o direito de privacidade, que é conservado e mantido na Declaração Universal de Direitos Humanos. Para La Rue, esta tendência deve ser revertida e os governos devem atualizar suas leis para assegurar que os direitos humanos dos cidadãos sejam respeitados e protegidos, sugerindo que as corporações que cometem atos abusivos sejam banidas.
PublicidadeTanto os governos dos Estados Unidos como do próprio Brasil parecem ter esquecido que assinaram os protocolos das Nações Unidas em defesa dos direitos humanos e da livre liberdade de expressão. O Estado espião e o que não protege e respeita os direitos humanos de seus cidadãos é um Estado autoritário e totalitário. No momento, como brasileiros, nos sentimos sem proteção diante de ações autoritárias do governo brasileiro, que há mais de dez anos, de forma abusiva, nos leva a votar eletronicamente. Para invadir ainda mais a nossa privacidade introduziram, sem nenhuma legislação que nos ofereça proteção, o chamado recadastramento biométrico, feito pela Justiça Eleitoral. Com a biometria, agora é possível fornecer informações de dentro do nosso corpo. Enquanto as corporações comemoram seus lucros e as elites dominantes se regozijam da façanha tecnológica, nós, eleitores, somos nivelados por baixo como seres humanos incapacitados de pensar, alimentando a base de dados de corporações gananciosas, como cidadãos do terceiro mundo.
Por fim, se antes os telefonemas e as excursões feitas na web pelas pessoas podiam ser rastreados por corporações em buscas de lucros, agora o nosso percurso digital é rastreado por servidores públicos em busca de terroristas e outras informações de interesse do Estado totalitário. Em nenhum dos casos, nunca houve transparência.
* José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Foi pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA).