Em vez de buscarem via pegadinhas no relatório do Código Florestal formas oblíquas de evitar a recomposição de desmatamentos passados e, eventualmente, propiciar desmatamentos futuros, impunes, os deputados que dizem defender os interesses dos agricultores brasileiros, bem como aqueles ambientalistas que apostam exclusivamente na regulação & repressão, deveriam todos examinar as oportunidades que oferecem um novo marco econômico que incorpore os conceitos de prestação de serviços ambientais no contexto de uma economia de baixo carbono.
Manter e ampliar a cobertura florestal brasileira não vai ser obtido simplesmente pelos mecanismos clássicos de comando & controle. A fiscalização, multas e repressão embora necessárias, não serão suficientes. Mecanismos de punição econômica como a suspensão de crédito dos bancos oficiais a desmatadores – que o relatório Aldo Rebelo quer inviabilizar – são eficazes mas meramente defensivos, não revertem radicalmente o quadro.
Temos que partir da defesa para o ataque, e este se dará via fortes estímulos econômicos embutidos num critério básico: o pagamento por serviços ambientais prestados. Quem mantém uma floresta ou recompõe uma mata ciliar presta um serviço ambiental que precisa ter um valor econômico reconhecido. No caso da agricultura familiar e cooperativada até 4 módulos fiscais, já há um consenso de que podem ser isentas de recuperação compusória, o que inclusive as capacita a receber créditos de carbono pelo Mecnaismo de Desenvolvimento Limpo, caso promovam essa recuperação. Já as multas por desmatamento não podem ser perdoadas senão estar-se-ia prejudicando quem cumpriu a lei e não desmatou. Mas podem ser convertidas em obrigação de recomposição.
Podemos também permitir que um percentual da dívida dos produtores rurais com bancos oficiais possa ser paga em reflorestamento. O governo poderá ressarcir os bancos oficias atraindo créditos de carbono, sobretudo dos EUA que não conseguiram aprovar nem a redução de 17% de suas emissões que Obama anunciara na Conferência de Copenhagen, em 2009. Os EUA tendem a gerar enormes recursos de compensação para aquisição de créditos de carbono e seu primeiro destino pode ser o Brasil. A China mais ainda mas é provável que façam a quase totalidade do plantio no seu próprio território – eles têm feito enormes projetos de reflorestamento. Já os EUA, que não consegue cortar as emissões de suas termoelétricas a carvão (50% da energia produzida), e a Europa, que tem as maiores metas obrigatórias de redução e terá dificuldade em implementa-las, fatalmente terão que compensar uma parte importante aqui no Brasil.
Ou seja, a partir do momento em que o Brasil estipule claramente um valor econômico por serviços ambientais prestados, abre-se uma nova era no mundo rural e um novo tipo de oportunidade para os agricultores de qualquer porte e, até mesmo, para a nossa pecuária que tem uma produtividade baixa e que poderia melhorá-la e disponibilizar uma parte do pasto para culturas, reflorestamento econômico ou recomposição de ecossistemas. Plantar floresta deve ser estimulado também como um bom negócio e temos nas mãos os instrumentos privilegiados, com o Brasil particularmente bem posicionado para colher os frutos dessa nova economia da era de baixo carbono.
Um documento que recebemos da FETAESP e da FETAG-RJ faz uma estimativa dos valores potencialmente envolvidos nessa prestação de serviços ambientais. Segundo o documento, atualmente o preço pelo sequestro de uma tonelada de carbono é de mais de US$ 10,00, podendo chegar a US$ 400,00 até 2020, pela demanda crescente de créditos de carbono. A ONU tem procurado direcionar o marcado de créditos de carbono para projetos de reflorestamento nas modalidades REDD, REDD+ e REDD++ que, além do reflorestamento, envolvem manejo agro-florestal, agricultura ecológica, conservação da biodiversidade, arranjo produtivo comercial e culturas tradicionais.
O Brasil possui quatro milhões de propriedades até quatro módulos fiscais e um passivo florestal que, se não for transformado em pó pelo novo Código Florestal, tem um valor potencial de até UR$ 80 bilhões pelo plantio de 32 bilhões de árvores em vinte milhões de hectares, beneficiando trinta milhões de lavradores, segundo cálculos das duas entidades. Não tenho elementos nesse momento para corroborar inteiramente essas contas, mas estou seguro que estão, grosso modo, dentro dessa nova realidade em que não apenas produtos de consumo agro-pecuários possuem valor de mercado mas também serviços ambientais, entre os quais evitar novas emissões de carbono mantendo florestas de pé e absorver carbono pelo reflorestamento de áreas hoje degradadas.
Sem considerar essa interface entre ecologia e economia, a discussão sobre o novo Código Florestal fica chafurdando num plano intelectual atrasado, troglodita.
Temos que sair dessa idade da pedra mental.