Muito se escreveu e falou recentemente sobre a Colômbia, mas dia desses, folheando um livro de Noam Chomsky, sem querer encontro um verdadeiro dossiê sobre a situação econômica, política e social naquele país, do ponto de vista do ativista e crítico norte-americano ao abordar as conexões entre ajuda militar ianque e violação dos direitos humanos de
Como o encontrei casualmente, o texto ganha utilidade e pertinência, se impõe por sua imparcialidade e, precisamente por isso, esclarece aspectos que os jornalões omitiram ou ocultaram ou ambos no affair envolvendo Colômbia, Equador & Farcs. Foi extraído de Poder e Terrorismo, entrevistas e conferências pós-11 de setembro. pp. 86-92. Rio, Record, 2005:
“Em
Na década de
As atrocidades são pavorosas, entre elas o massacre das motosserras. O exército colombiano entrou numa região, cortou as pessoas com motosserras e jogou-as
Já foram deslocadas mais de dois milhões de pessoas no país, à razão de dez mil por mês, empurradas para favelas miseráveis, sem assistência médica, sem educação, sem nada. Tais atrocidades estão sendo investigadas, não há dúvidas sobre elas. Cerca de 80% são atribuídas aos militares e paramilitares. Se vocês examinarem os últimos dez anos, verão que, desses 80%, a porcentagem atribuída aos militares declinou e a atribuída aos paramilitares vem aumentando, e há uma boa razão para isso: relações públicas.
Como todo mundo, o exército colombiano considera que a melhor maneira de praticar o terrorismo é privatizá-lo. Entregá-lo a paramilitares, como fizeram os indonésios no Timor Leste ou os sérvios na Bósnia. Com isso, eles estão limpos, a menos que se examinem as análises dos acadêmicos ou os relatórios da Human Rights Watch, que se referem aos paramilitares simplesmente como a sexta divisão do exército colombiano, além das cinco oficiais, divisão à qual compete a responsabilidade pelas atrocidades horrendas, no esforço de manter o “desmentido plausível”.
A Colômbia provavelmente detém o recorde mundial de privatizações, ou seja, de entrega de seus recursos a investidores estrangeiros. Parte da privatização é a privatização do terrorismo. E os Estados Unidos também vêm privatizando sua contribuição para o terrorismo internacional, de modo que hoje existem muitos assessores americanos na Colômbia (duas vezes mais do que o número de militares norte-americanos), tecnicamente trabalhando em empresas privadas como a DynCorp e a MPRI (Military Professional Resources Inc.) – a prática do “desmentido plausível”. É que assim a assessoria e as armas ficam livres da supervisão do Congresso norte-americano.
Estive em Cauca e passei horas ouvindo depoimentos de camponeses falando sobre terrorismo. O pior para eles são as fumigações – destroem suas lavouras, seus animais, inclusive suas crianças; podemos vê-las com feridas pelo corpo todo. São em sua maioria cafeicultores pobres. Mas, apesar das dificuldades, eles haviam conseguido um nicho nos mercados internacionais de café organicamente produzido, de alta qualidade, vendido na Alemanha, por exemplo. Infelizmente isso acabou. Pois uma vez destruídos os cafezais, fumigada a terra, esta fica envenenada para sempre.
Não só as vidas e as lavouras são destruídas como também a biodiversidade, a tradição da agricultura camponesa, que é riquíssima, razão pela qual conseguiam safras tão grandes. Mas quando isso acaba, é impossível voltar atrás.
A fumigação é oficialmente justificada como “guerra às drogas”. É difícil levar isso a sério, a não ser como um disfarce para um programa de contra-insurgência e mais uma etapa da longa história de expulsar os camponeses da terra, em benefícios das elites ricas e da extração de recursos minerais por investidores estrangeiros (ver Doug Stokes, “Better Lead than Bread? A Critical Analysis of the U.S.’s Plan Colômbia”, Civil Wars 4.2,2001, pp. 59-78).
A conseqüência é que se algum dia essa região voltar à agricultura será uma monocultura de agroexportação, com sementes produzidas em laboratório, compradas da Monsanto. Mas o principal é que, uma vez expulsa a população pela guerra química norte-americana e pela destruição da lavoura, pode-se abrir a região para a mineração de superfície – há campos riquíssimos em carvão por lá – e também para as represas, a energia hidroelétrica, as empresas internacionais e assim por diante.
Por aí a coisa tem sido um “sucesso”, quanto à população e às culturas e comunidades locais, deixemos isso para lá. Elas são, para citar um filósofo famoso, “meras Coisas cuja vida não tem nenhum valor”. Estou citando Hegel, na verdade, referindo-se aos africanos. Eles são meras coisas cuja vida não tem valor, de modo que podemos levar isso adiante com perfeita serenidade e completa impunidade e receber apenas elogios por nossas realizações”.
Como o leitor pode observar, no texto Chomsky, com fina ironia, usa o plural majestático “nós” referindo-se à grande maioria do povo norte-americano – conformado, paranoizado, alienado, “pacificado” pela grande mídia – e, naturalmente, às elites locais – subservientes, neocolonizadas, apátridas, duas vezes criminosas.
Pois é, não só o Haiti, a Colômbia também é aqui.