A violência é o pior caminho para se fazer justiça. A história é pródiga em exemplos desastrosos. Lavoisier, por exemplo. O cientista foi acusado, perante um tribunal revolucionário, de crimes contra o povo. Mandaram-no para guilhotina simplesmente porque fazia parte do ancien régime. Além de pai da química moderna, Lavoisier também era coletor de rendas públicas. O fato de que se tratava de um dos maiores cientistas de sua época serviu apenas como agravante: a revolução não precisava de cientistas. Precisava de sangue. Sifu.
Violência é uma merda. Digo, a física, porque a violência retórica, tem mais algumas possibilidades além de ensejar chiliques e de ficar entrincheirada no mundo das “ideias”. Quando escapa ao mundo da especulação e ultrapassa os próprios limites, quando perde o freio e desce ladeira abaixo, a violência retórica é, em suma, revolucionária, um tesão de consequências imprevisíveis.
Sob esse ponto de vista, o mais sensato é pedir sangue. As catilinárias (quatro peças) de Cícero são, a meu ver, o ponto máximo dessa construção explosiva:
Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?
Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura…
Isso é só o começo do esporro que Cícero daria em Lucio Sergio Catilina.
Voltemos. O lugar agora é Brasília, plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Cícero não estava lá, mas sua avassaladora retórica que pedia sangue ecoou em Brasília, 2073 anos depois. Ora, direis: também pediste sangue, colunista?
Minha resposta é: fico feliz em senti-lo correndo nas minhas veias. E antes de alguém pensar em me mandar para a fogueira santa, digo: foi uma lavada de alma ver a invasão dos 300 de Brasília. Nem sei se eram estudantes, ou filiados a algum partido político. Não me interessa. Mas eu gostei de ver a explosão daquela molecada que invadiu e depredou o plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Se eu tivesse 18 anos, iria pra Brasília. Aqueles garotos e garotas não eram figurantes de uma propaganda de cerveja. Não rebolavam no Big Brother. Ecoaram Cícero na prática e é claro, queriam sangue.
Confesso que fiquei orgulhoso. Logo eu, que achei que eram todos uns merdas que, ou se entregavam a um Jesus brega e quentinho, ou ao sonho conservador de pertencer a um mundo corporativo ou às próprias vaidadezinhas, bate-estacas binários e hormônios de praxe.
Depois disso, é só fazer a ligação entre o real e o figurado. Fazer a indignação e a juventude correrem pelas ruas, como se fossem glóbulos vermelhos e brancos numa ebulição imprevisível: la beauté est dans la rue, lembram disso? Desse modo, acho muito provável que, nas próximas invasões (espero que haja muitas), algum lobo seja levado ao sacrifício. Urge um símbolo.
Vejam bem: estou apenas especulando. Faço aqui minhas conjecturas como se fosse um co-roteirista dos filmes do Tarantino.
Mas que seria legal, seria. Os bueiros das esplanadas jorrando sangue. As ratazanas afogadas nas próprias ignomínias. O fato é que a cafajestice dos neo-catilinas que usurpam a república já ultrapassou todos os limites que a retórica poderia suportar. Quando isso acontece o verbo se transforma em ação. A casa deles está caindo.
O governador Arruda que não seja besta de dizer que não sabia de nada. Desta vez, não. Ou sai um impeachment, ou a molecada vai botar pra fuder. E eu, aqui, farei coro, podem ter certeza. Ninguém aguenta mais ser embromado. Tomem muito cuidado, senhores deputados, (…) não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração (leia-se comissões de ética, recursos etc) a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Não abusem da nossa paciência, pois o deboche e o cinismo dos senhores estão se transformando no asco do nosso dia a dia. No veneno que irá condená-los a extinção. Até quando, Catilina?
Nossos políticos precisam, ao menos, sentir o aço frio do gume das guilhotinas. O bafio da morte. O hálito do povo. Eles precisam levar cagaço: À morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.
Um ano depois de ter sido escorraçado por Cícero, Catilina morreu no campo de batalha, traído por seus comparsas, falido e defenestrado para toda a eternidade.
PS: Na madrugada de sábado, meus amigos Mario Bortolotto e Carlos Carah foram baleados na Praça Roosevelt, em São Paulo. Reagiram a um assalto. Carah levou três tiros na perna e se recupera bem. Graças a Deus, os dois sobreviveram. O estado do Mário, porém, é mais grave: levou quatro tiros no peito, à queima roupa.
Uma semana antes, eu havia feito um comentário no blogue dele:
– Oi, Mario, o Tremendão saiu da Tijuca. Você sabe. Da próxima vez apareça por aqui, apesar do bangue-bangue e da indiferença do povo da Zona Sul. Apesar de tudo, continuamos. Abraço, MM
Vejam só o que ele respondeu: “É claro, Mirisola. Um tiro só não vai nos derrubar. Grande abraço”.
Nem um, nem dois, nem três, nem quatro, Mario. Tô aqui torcendo por você. Continuamos!
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