“Nada mais difícil de manejar, mais perigoso de conduzir, ou de mais incerto sucesso, do que liderar a introdução de uma nova ordem de coisas. Pois o inovador tem contra si todos os que se beneficiavam das antigas condições e apoio apenas tíbio dos que se beneficiarão com a nova ordem.”
(Nicolau Maquiavel)
Amilcar Faria *
A República vivia um momento conturbado. A corrupção generalizara-se em três décadas de (re)democracia. Vivia-se o vale tudo pelo poder. A bancarrota moral e ética ia à larga e a sociedade civil já se organizava em revolta pacífica.
A classe política perdera o pudor para manter-se no poder.
Corrompia-se. Vendia e comprava apoio para aprovar reformas paliativas sem pagar o preço justo (capital político) para aprovar reformas necessárias. Escudava-se no “uso de caixa 2”, como se isso não fosse crime.
Corrompia as prioridades. Construía estádios de bilhões para evento único em vez de hospitais ou escolas de poucos milhões para uso contínuo; isentava impostos de veículos que inviabilizariam o transporte urbano ao invés dos remédios que viabilizariam vidas humanas.
Corrompia o uso do dinheiro público. Desviando verbas para locupletar compadres, parentes ou laranjas (a si mesmos), condenando o povo a morrer à míngua por falta de hospitais, UTI’s, médicos, remédios ou atendimento.
Corrompia a sociedade. Dava bolsa “esmola”, que deveria ser mecanismo condicional de transferência de recursos, cuja condição (manter crianças na escola) quebraria o ciclo que gera a pobreza, mas gerava dependência econômica e fidelizava votos ao reduzir o nível da educação para escravizar os mais necessitados.
Corrompia a democracia. Fortalecia o fisiologismo político, ferindo de morte a independência e a harmonia dos poderes; fomentava o militantismo cego, surdo e burro, e a falta de consciência para a cidadania.
Mas a sociedade já se organizava em revolta pacífica e as pessoas começaram a deixar de ser apenas um rosto na rede virtual (um face no Book) para ser um cidadão nas ruas reais (um body in real). Imprensa e políticos foram pegos de surpresa pela revolta pacífica: e muitos fingiam não entender os motivos para tamanha mobilização.
Governadores exerciam sua (ag)nulidade política dizendo que o movimento não tinha bandeiras, políticos exerciam seu execrável interesse pessoal dizendo que o movimento era anarquia de vândalos, jornalistas exerciam miopia seletiva dizendo que o aumento das passagens de ônibus era motivo de pouca monta.
Todos se perguntavam incrédulos: afinal, qual a bandeira dessa atual (e enorme) mobilização social?
Como o movimento tinha forte caráter de ativismo autoral, sem liderança unificada por expressar o anseio de toda a população, a resposta demorou a ser consolidada, mas veio no vigor da indignação popular:
Eis o que queremos para o país inteiro:
1) real investimento em educação:
a) queremos 400 escolas novas no GDF (para uso contínuo) já que gastaram R$ 1,6 bilhão no estádio (para evento único);
b) queremos aplicação real de 15% a 20% do PIB em educação (de base, média e superior, inclusive profissionalizante);
c) queremos educação federalizada (homogênea em todas as unidades da federação) e em tempo integral, que não só ampliará a autonomia dos educandos como diminuirá a violência infanto-juvenil e o tráfico de drogas, posto que retirará os jovens da situação de vulnerabilidade por excesso de tempo ocioso;
d) queremos melhores salários para os professores, que são os responsáveis pela formação de pessoas, e não devem continuar a ser meros transmissores de conteúdos estanques e pouco aplicáveis;
2) real investimento em transporte público de massa e de qualidade, nos moldes de como é feito no mundo:
a) transporte de massa sobre trilhos e não sobre rodas que só servem para enriquecer empresários inescrupulosos;
b) investimento em ciclovias e segurança ao ciclista como transporte alternativo;
3) real investimento em saúde:
a) ampliação de leitos e construção de 16 novos hospitais equipados (quantidade que equivale ao gasto no estádio que vai abrigar todos os 3 times da 3ª divisão do futebol brasiliense, cuja média de público pagante gira entre 500 e 800 pessoas);
4) real investimento em segurança:
a) ampliação do treinamento da polícia militar com foco em ações de desmilitarização da polícia e das ações policiais;
5) afastamento imediato dos políticos condenados das comissões em que atuam (José Genoíno e João Paulo Cunha, na Comissão de Constituição e Justiça);
6) afastamento de políticos despreparados para o exercício da presidência em comissões cujas ideologias dependem de atuação tolerante e humanitária e não homofóbica e oportunista (Marco Feliciano e Comissão de Direitos Humanos e Minorias);
7) afastamento imediato do presidente do Congresso por ato incompatível com o decoro e a reputação ilibada, uma vez que é comprovadamente corrupto e age ilicitamente como comprovado em sua última renúncia à mesma presidência da casa;
8) aumento da pena de perda de direitos políticos de 8 para 24 anos, principalmente nos casos de corrupção (ainda que com fortes indícios, já que a comprovação se torna difícil em muitos casos) como forma de moralizar o exercício da política;
9) proibição do uso de recursos privados em campanhas políticas, de doações privadas (individuais ou de empresas) para campanhas ou manutenção de partidos; (nesse ponto em particular o MCCE estará apresentando na semana que vem a campanha Eleições Limpas, que prevê a criminalização eleitoral do abuso do poder econômico – como o uso do famigerado caixa 2 em campanha eleitoral);
Aqui cabe outra pergunta:
– Este é um movimento sem bandeira ou representa o derramamento das necessidades sociais há muito represadas e não satisfeitas?
* Amilcar Faria, 44, é servidor público federal, diretor de Programas de Controle Social do Instituto de Fiscalização e Controle, membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e ativista autoral da rede sustentabilidade.