Sabrina Oliveira Fernandes *
Sempre que estivermos diante de uma pessoa, involuntariamente estaremos avaliando-a. Sempre que obtivermos algum tipo de informação sobre alguém, faremos algum tipo de avaliação. Contudo, seria confiável esse tipo de percepção? Poderíamos compará-la, objetivamente, ao longo do tempo? E o mais importante: serviriam de base sistemática para a identificação de necessidades de capacitação? Se a sua resposta for negativa a todas essas perguntas, pode-se dizer, então, que a avaliação de desempenho, seja ela formal ou informal, sempre existirá, é demasiadamente subjetiva e conterá distorções. Por essa razão, para que as informações sejam úteis a fim de avaliar competências profissionais de um indivíduo, deverão ter o menor grau de subjetivismo e serem menos distorcidas do que as obtidas por meio de processos involuntários e sem estruturação.
A título de curiosidade, a avaliação de desempenho na administração pública brasileira não é uma inovação da administração gerencial. No Brasil, ela foi instituída pela Lei do Reajustamento, em 1936. Dentre inúmeras novidades, essa lei lançou as bases de uma administração de pessoal mais racional, institucionalizando o sistema de mérito por meio do concurso e de diretrizes do primeiro plano de classificação de cargos. Isso evidencia que a meritocracia não é novidade no país, mas continua sendo tratada como inovação ao se falar em modelo gerencial. Se desde a década de 30 já existia essa intenção de se estabelecer um sistema desse tipo, surge outra questão: por que não se consegue estabelecer uma meritocracia no serviço público brasileiro?
A questão da meritocracia e da sua avaliação é polêmica para toda a teoria da administração moderna e envolve uma dimensão política não só aqui no país. Enquanto tentarmos resolver por mecanismos jurídicos e formais um sistema de meritocracia no serviço público brasileiro, este não funcionará. Isso porque esse sistema meritocrático, existente há anos no plano formal e no plano do discurso, nunca foi uma prática legitimamente aceita.
E não há como aceitá-lo! Quem é servidor público sabe que a tradição da cultura administrativa brasileira é eminentemente autoritária, na qual todo plano de avaliação de desempenho é aplicado para punir servidores desmotivados, pôr todos a trabalhar sem poder questionar os métodos utilizados, muitos deles retrógrados, outros desnecessários. Na verdade, o sistema de avaliação de desempenho no país ainda não conseguiu ser usado como instrumento de crescimento e melhoria do serviço, falhando como política de capacitação permanente para os seus quadros institucionais. Sob outro ponto de vista, gerenciamento, planejamento, treinamentos e cursos de atualização sempre foram vistos como custos e não como investimentos.
Não há como negar que o serviço público brasileiro está aparelhado sob a forma de um “sistema meritocrático”, tanto para o ingresso quanto para a mobilidade interna dos servidores, mas um sistema desprovido de ideologia meritocrática. No discurso, todos se colocam partidários do mérito, mas, na prática, a implementação esbarra em processos sistemáticos de desqualificação desse mesmo critério (o mérito), seja pelos métodos anacrônicos empregados, pela inaptidão ou despreparo daqueles que avaliam, ou pelo peso das relações pessoais no resultado das avaliações de desempenho, fatores estes carecedores do verdadeiro mérito.
Considerando que o maior agente impulsionador de resultados dentro das organizações públicas é o seu capital humano, a avaliação de desempenho não só pode como deve ser utilizada como ferramenta de gestão, desde que corretamente aplicada, sem vícios e com o menor subjetivismo possível, pautado numa concepção de igualdade substantiva que visualiza na diversidade de talentos e desempenhos o resultado do conjunto.
A gestão de pessoas é uma forma eficiente da organização se relacionar com seus profissionais. Mas, para um resultado prático satisfatório, não se pode deixar de analisar a nossa história, principalmente neste momento crucial em que um novo plano de avaliação por objetivos tenta ser implementado – atrelado à reforma estatal – a fim de romper o círculo vicioso que se estabeleceu entre os novos (velhos) modelos de avaliações já testados. Ao lado desse desafio, ainda será necessário dar continuidade aos projetos, independentemente de mudanças de legendas e de políticos em cargos de confiança na administração pública.
Sendo assim, avaliadores e avaliados deverão ser encorajados a construírem, em conjunto, tanto os instrumentos de avaliação e sua periodicidade, como mecanismos de superação das lacunas identificadas. Nesse particular, será necessário aplicar a máxima organizacional: trabalhar os erros como oportunidade de aprendizagem, e não como punição.
É evidente o impacto dessas transformações no desempenho humano. Mas somente a força de trabalho apta a promover as mudanças no ambiente institucional proporcionará às instituições governamentais mais agilidade e flexibilidade a fim de atender a demanda social do país inserto no mundo globalizado. Não é demais lembrar que desempenho humano é o único responsável pelo sucesso ou fracasso de qualquer organização.
*É presidente do Sindispge (Sindicato dos Servidores da Procuradoria-Geral do Rio Grande do Sul). E-mail: sabrina@sindispge.org.br.
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