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Desta vez, o MPF coloca na mira da Justiça o banco Santander, a Qualy Comércio e Exportação de Cereais e a Brazil Trading, três das milhares de corporações que contestam junto ao Carf multas apontadas pela Receita Federal. Segundo os investigadores, apenas essas empresas pagaram R$ 4,5 milhões em propina para manipular decisões sobre suas dívidas. De acordo com o Ministério Público, aproxima-se de R$ 930 milhões o prejuízo aos cofres públicos em decorrência na negociação desse tipo de julgamento.
O pedido do MPF é feito menos de uma semana depois da condenação de nove investigados na Zelotes. Agora, outras 23 pessoas passam a integrar a lista de denunciados.
Veja a relação completa e saiba mais sobre a medida do Ministério Público no material encaminhado à imprensa:
O Ministério Público Federal (MPF) enviou nesta sexta-feira (06) à Justiça mais três ações penais referentes a casos investigados no âmbito da Operação Zelotes. As ações envolvem negociações criminosas conduzidas por intermediários, consultores e ex-conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) com o objetivo de corromper conselheiros e servidores da Receita Federal para conseguir julgamentos favoráveis a contribuintes que recorreram ao tribunal administrativo. Desta vez, foram denunciadas 23 pessoas pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Quatro delas já respondem a outra ação, também por crime cometido junto ao Carf. Os contribuintes envolvidos nos processos administrativos que foram investigados pela Força Tarefa – e que agora são objeto dos processos enviados à Justiça Federal – são: Banco Santander (antigo Bozano), Qualy Marcas Comércio e Exportação de Cereais e Brazil Trading LTDA. De acordo com dados apurados na fase preliminar da investigação, juntos os casos envolveram o pagamento de propina de cerca de R$ 4,5 milhões.
Caso Qualy
Uma das ações envolve a empresa Qualy Marcas Comércio e Exportação de Cereais que, depois de recorrer ao tribunal administrativo, recebeu R$ 37,6 milhões dos cofres públicos como expurgos inflacionários que teriam, sido acumulados na década de 1.990, quando o país passou por planos econômicos e mudanças de moeda. Em decorrência de uma sucessão de recursos, impetrados ora pelo contribuinte, ora pelo Fisco, o Processo Administrativo Fiscal passou impressionantes 11 anos no Carf. Neste período, de acordo com o inquérito, o empresário Ramiro Júlio Ferreira Júnior pagou ao grupo de intermediários pouco mais de 4,3 milhões em propina.
As investigações, que se basearam na análise de documentos apreendidos e na interceptação de mensagens trocadas entre os envolvidos – ambas medidas autorizadas pela Justiça –, revelaram um complexo esquema, montado para garantir o julgamento favorável ao contribuinte, apesar da resistência da área técnica da Receita Federal. Assim como em outros casos investigados na Operação Zelotes, também nesse, embora tivesse um advogado formalmente constituído, a empresa optou por contratar consultores. Ao longo de oito anos (de 2004 a 2012), foram quatro contratações de empresas ligadas a conselheiros e ex-conselheiros do Carf. Para dar uma aparência de legalidade às operações, foi às companhias SBS e SGR que o empresário repassou os valores, posteriormente distribuídos entre os integrantes do esquema.
Na ação, os procuradores da República Hebert Reis Mesquita e Frederico de Carvalho Paiva descrevem de forma detalhada como se deu o andamento dos vários recursos que passaram pela Primeira Câmara e também pela Câmara Superior do Tribunal Administrativo. Para facilitar a compreensão dos fatos, a narrativa segue uma ordem cronológica, sendo dividida em quatro períodos distintos. O MPF constatou que, em cada um desses períodos houve negociação, contratação, atuação criminosa e pagamentos específicos. Como alguns dos envolvidos têm mais de 70 anos, nem todos foram denunciados pelo conjunto de crimes que cometeram. Já relação aos demais, o MPF pede a condenação por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro.
Além da insistência do contribuinte para ter o pleito acatado pelo Carf, outros detalhes chamaram a atenção dos investigadores. Um deles foi o fato de a conselheira Judith Amaral Marcondes (uma das denunciadas na ação) ter mudado o voto. Após ter se posicionado contra o recebimento de um dos recursos apresentados pela empresa, ela não só mudou de opinião como foi relatora do processo na votação seguinte, quando apresentou um parecer favorável à empresa. De acordo com as provas juntadas ao inquérito, o voto apresentado por Judith foi elaborado por integrantes do grupo e enviado para apreciação prévia a um dos conselheiros (Leonardo Manzan – também denunciado pelo MPF).
Outro aspecto destacado na ação foi o fato de, por duas vezes, após decisão favorável à empresa, a área técnica da delegacia da Receita Federal em Divinópolis, Minas Gerais, ter se recusado a fazer a restituição dos valores, conforme decisão do Carf tomada com votos de conselheiros cooptados pelo esquema criminoso. Nas duas oportunidades, o Fisco apresentou novo embargo de declaração com o objetivo de reverter a decisão. Em uma das vezes, tanto o auditor fiscal quanto o delegado local decidiram encaminhar o feito ao gabinete do ministro da Fazenda, “como forma de recurso hierárquico”, o que só aconteceu porque o superintendente estadual da Receita optou pela apresentação de um novo recurso.
Entenda o caso
Ainda na década de 1990, a empresa Qualy Marcas Comércio e Exportação (que, na época, se chamava Indústria e Comércio Café Irmãos Júlio) conseguiu decisão judicial favorável a um crédito tributário. No entanto, no momento da liquidação, já em 2001, a Receita Federal não incluiu os chamados expurgos inflacionários, que não constavam da sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Insatisfeita, a empresa recorreu à delegacia da Receita, que manteve a decisão de não pagar os valores pretendidos. Começava aí a batalha junto ao então Conselho de Contribuintes, atual Carf.
O primeiro julgamento no tribunal, aconteceu em maio de 2002 e teve resultado favorável ao Fisco. Com a derrota, o empresário decide contratar o grupo de intermediários. Em vez do renomado escritório de advocacia de Minas Gerais, ele passa a ser representado pelos sócios da empresa SBS: Eivany Antônio da Silva, Jorge Victor Rodrigues e Agenor Manzano. As investigações revelaram que o grupo cooptou o conselheiro Otacílio Cartaxo (denunciado) que votou favorável à admissão do recurso. Nesta negociação específica foi apurado o pagamento de vantagem indevida de R$ 276.029,74 ao então conselheiro. Corrigido, o valor atual passa de R$ 500 mil.
Apesar de ter o recurso provido, a empresa não conseguiu receber os valores reclamados, uma vez que novos questionamentos foram apresentados pelo Fisco. Como consequência, o grupo de intermediários voltou a agir e, desta vez, além de Otacílio Cartaxo, ofereceu vantagens a outro conselheiro: Nilton Luiz Bartoli. Nessa negociação, ocorrida nos anos de 2005 e 2006, além de Nilton Bartoli, também entrou no caso o advogado José Ricardo da Silva. É que, desta vez, segundo os investigadores, o grupo usou o nome da empresa SGR (da qual José Ricardo) é sócio, para simular a legalidade do negócio. Nessa etapa, as investidas junto ao Carf custaram ao empresário R$ 305.102,50. O resultado foi mais uma vitória no julgamento e uma ordem para que a Receita Federal restituísse os valores ao contribuinte.
Como a Receita se negou a seguir a ordem do Carf e apresentou mais um recurso, o grupo iniciou nova investida criminosa. A terceira mobilização do esquema ocorreu entre 2007 e 2009 e, novamente, passou pela atuação informal das empresas SBS e SGR. A novidade, neste momento foi a contratação dos advogados e ex-auditores da Receita Federal Leovegildo Oliveira Morais e Flávio Ferreiras de Oliveira (ambos denunciados). Para os investigadores, a contratação serviu para esconder o vínculo e a atuação criminosa dos sócios das SBS e SGR que eram conselheiros ou parentes de conselheiros como Otacílio Cartaxo, Leonardo Manzan e José Ricardo. Nesta fase, a empresa pagou, de acordo com os documentos apreendidos R$ 351.937,00.
O quarto momento na atuação criminosa aconteceu entre 2009 e 2012. Nesta etapa os envolvidos chegaram a criar uma Sociedade em Conta de Participação (SCP), que atuou exclusivamente no recurso da empresa Qualy e foi fechada após os acertos finais do caso. Em uma das votações (ocorrida em 2011), chamou a atenção dos investigadores a troca de relator. Saiu Otacílio Cartaxo e entrou Judith do Amaral que mudou o voto e, juntamente com Leonardo Manzan (filho de Agenor Manzano – sócio da SBS) selaram a vitória do contribuinte. Nos meses seguintes, ainda houve nova tentativa da Receita Federal de impedir o pagamento, mas a empresa recorreu à Justiça e, graças a um mandado de segurança, conseguiu acelerar a apreciação do que seria o último recurso. Novamente foi Otacílio Cartaxo que garantiu a vitória ao contribuinte/corruptor.
A relação do grupo de intermediários e conselheiros com o empresário só terminou, segundo as investigações da Força Tarefa, em meados de 2012, depois que a empresa recebeu os R$ 37,6 milhões do Fisco e pagou a parte mais significativa da propina. Os valor, R$ 3,4 milhões, foi distribuído entre os envolvidos, conforme prova documental que foi anexada à ação pelo MPF. Uma das mensagens apreendidas evidencia a satisfação do conselheiro Leonardo Manzan. “Obrigado pelos vinhos, vou apreciar em situações especiais”, escreveu o julgador a Ramiro Júnior. Para o MPF, o texto é emblemáticos, uma vez foi enviado no mesmo dia em que o dinheiro foi repassado à empresa SBS.
Caso Santander
No caso do Branco Santander, as investigações mostraram que houve negociações que levaram a intervenções irregulares em cinco Procedimentos Administrativos Fiscais (PAFs), apresentados pela empresa entre os anos 2000 e 2005 e, que tramitaram até 2014 no tribunal administrativo. O objetivo da empresa era tentar se livrar de uma multa imposta pela Delegacia da Receita Federal no Rio de Janeiro, cujo valor total chegava a R$ 890,6 milhões. De acordo com o inquérito, a investida do grupo de intermediários tinha o propósito de garantir a não aplicação de uma nota da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), segundo a qual, a empresa não poderia receber de volta os valores pagos após adesão a um programa governamental de refinanciamento (Refis) por ter judicializado a questão. A contratação, bem como o pagamento indevido não foram confirmados na fase preliminar da investigação. Já a negociação ( que caracteriza a prática do crime) foi fartamente documentada por meio de conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial e de mensagens eletrônicas trocadas entre os acusados. Os documentos integram o conjunto de provas que acompanha a ação pena a ser apreciada pela 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.
Caso Brazil Trading
A terceira ação apresentada à Justiça envolve a empresa Brazil Trading Ltda., que propôs um Processo Administrativo Fiscal em 2001. Nesse caso, os investigadores sustentam na ação que o diretor administrativo da companhia, Edson Ruy, ofereceu vantagens indevidas ao conselheiro Nilton Luiz Bartoli para que ele votasse favoravelmente ao recurso apreciado pela Terceira Câmara Superior de Recursos Fiscais. De acordo com as provas anexadas à ação, pelo “serviço”, o conselheiro recebeu R$ 37,5 mil. Para esconder o pagamento indevido, foi firmado um contrato de prestação de serviços entre a Brazil Trading e o escritório do qual o conselheiro é sócio.
Com a decisão do Carf, a empresa, conseguiu se livrar da cobrança de pouco mais de meio milhão de reais (R$ 568.521,38). Na ação, os procuradores Frederico de Carvalho Paiva e Hebert Mesquita pedem que os envolvidos respondam pelo crime de corrupção e que devolvam aos cofres públicos o valor do débito fiscal cancelado em decorrência da atuação criminosa.
Lista de denunciados:
Caso Qualy
Jorge Victor Rodrigues: sócio da SBS, ex-auditor da Receita Federal e ex-conselheiro do Carf
Agenor Manzano: sócio da SSB, pai do conselheiro Leonardo Manzan
Romeu Salaro: sócio da SSB
Eivany Antônio da Silva: ex-auditor da Receitas Federal e sócio da SBS
Flávio Ferreira de Oliveira: advogado e ex-auditor da Receita Federal
José Leovegildo Moraes: advogado e ex-auditor da Receita Federal
Leonardo Manzan: conselheiro do Carf e sócio da SGR
Judith Amaral Marcondes: conselheira do Carf
Nilton Luiz Bartoli: conselheiro do Carf
José Ricardo da Silva: sócio da SGR e conselheiro do Carf
Otacílio Dantas Cartaxo: conselheiro do Carf
Ramiro Júlio Ferreira Júnior: empresário beneficiado que contratou e pagou o grupo
Caso Santander
Luiz Antônio Pereira Dias : empresário
Francisco Stelvio Vitelli: empresário
Ana Paula Ugucioni: advogada
Antônio José Andrade: advogado
Wagner Pires de Oliveira: advogado procurador da Fazenda Nacional aposentado
Jorge Victor Rodrigues: auditor aposentado da Receita Federal e ex-conselheiro do Carf
Lutero Fernandes do Nascimento: analista tributário da Receita Federal
Eduardo Cerqueira Leite: auditor da Receita Federal
Jeferson Ribeiro Salazar: auditor aposentado da Receita Federal
Caso Brazil Trading
Edson Ruy: diretor administrativo da Brazil Trading
Nilton Luiz Bartoli: conselheiro do Carf
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