Da Revista Congresso em Foco
Não fossem os olhos avermelhados, sintoma de uma gripe persistente, era o mesmo Wagner Moura de sempre. Entrou no café, no bairro carioca Jardim Botânico, cumprimentou os funcionários, pediu um pingado. Se o reconheceu, o garçom não deu qualquer sinal. Nada de tietagem, como reza o código de conduta seguido à risca na Zona Sul do Rio. Ainda mais quando se trata de um dos atores mais discretos e avessos à fama do universo global.
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Havia acabado de participar do show em tributo à Legião Urbana, promovido pela MTV no Espaço das Américas, em São Paulo. Por sua performance, vocalista no lugar do saudoso Renato Russo, recebeu da crítica e dos implacáveis habitantes das redes sociais sentenças como “falta de afinação”, “baixa qualidade vocal”, “só suor e dedicação”. Não pareceu se abater. “Polêmico, né? Mas foi a coisa mais incrível que eu já fiz na vida”.
O mesmo Wagner que não gosta de aparecer na revista Caras também não tem medo de exposição nem de julgamentos quando decide que apoiar um político candidato não é só escrever seu nome numa lista de artistas a favor. É pouco. Ele promove reuniões, mobiliza os colegas, pede contribuições financeiras para a campanha.
Foi assim com Marina Silva, candidata a presidente pelo PV. E também com o colega de faculdade na Bahia e hoje deputado federal pelo Psol do Rio, Jean Wyllys. Está sendo assim com o deputado estadual Marcelo Freixo, que vai disputar a Prefeitura do Rio. A entrega é tanta que o ator, um estranho bem-vindo no ninho partidário, participou até da convenção em que Freixo foi sacramentado o candidato do Psol. E com discurso!
Sem medo de se expor
“Houve uma evidente retração no apoio de artistas a políticos depois do mensalão. Os artistas, tradicionalmente, se alinhavam à esquerda, ao PT. Acho que já é hora de a gente romper esse medo de se expor”, disse ao microfone da Câmara do Rio, onde se realizou a convenção.
Conta um publicitário que encontrou Wagner num evento: “Ele veio com essa conversa de ajudar o Freixo. Como assim? De graça? Não, obrigado”, disse o moço.
Wagner não desanima. “A campanha do Freixo está sendo tocada por gente como a gente, que acredita”, diz o ator. “É uma campanha com duas dimensões. Uma utópica, que é claramente quixotesca, contra um candidato que está toda hora na TV, com uma coligação gigantesca, uma gama de interesses financeiros. Mas tem uma outra dimensão, a pragmática, em que a gente vê que é super possível ir para o segundo turno. Que essa é uma chance bem real”.
Mas ele não acha que trafega na contramão e jura que não está sozinho nessa empreitada. “Eu vejo um interesse muito grande, crescente, da minha geração ou de gente mais nova que eu, por política. Não só por política partidária, mas por política das ideias, das ONGs”.
Virou ícone
Entre os artistas, sobretudo aqueles do primeiríssimo time, muitos não concordam com suas posições políticas. Mas não há quem não o respeite pela integridade com que as externa. “Wagner é um dos ícones brasileiros”, afirma Dira Paes, diretora-geral do Movimento Humanos Direitos (MHuD), que ele e vários outros artistas integram. “Além de ter nos presenteado com o seu talento, é um exemplo de cidadão, uma pessoa comprometida com o outro. Ele sai do seu foco e se doa. Eu o admiro muito e me sinto privilegiada por ser amiga dele”.
Wagner não é dos que só falam – também faz. Já foi ao Congresso participar das discussões sobre a meia-entrada, voltou para levar um abaixo-assinado a favor da proposta de emenda constitucional (PEC) contra o trabalho escravo.
O ator, que interpretou o desesperançado Capitão Nascimento de Tropa de elite é otimista. “Vivemos um momento de luz sobre o Brasil. Desde a estabilização da moeda, que vem lá do governo Fernando Henrique, temos crescimento econômico, desenvolvimento. Fico animado em ver que começa a existir uma classe média de fato. Também anima ver que os governos Lula e Dilma diminuíram a desigualdade”, analisa.
Mas, para ele, tudo o que foi conquistado até agora não basta. “Não me interessa um desenvolvimento como o da China ou dos Estados Unidos. Não faz muito sentido para mim ter a economia número seis do mundo e ter um Índice de Desenvolvimento Humano número 80 ou coisa que o valha. Temos que enfrentar o grande desastre que é a distância gigantesca entre os que ganham menos e os mais ricos”.
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