Depois de anunciada a consecução do trâmite das propostas que eliminam votações secretas no Parlamento, uma questão jurídica foi lançada sobre a possibilidade de aplicação do voto aberto no processo de cassação enfrentado pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), em fase final no Conselho de Ética da Casa. Como o caso Demóstenes já foi iniciado, argumenta sua defesa, uma legislação aprovada daqui em diante não poderia ser aplicada retroativamente, como preceitua o princípio constitucional da irretroatividade para punição – a própria defesa de Demóstenes já avisou que acionaria a Justiça caso senadores quisessem abrir o voto em plenário (no conselho, a votação é aberta).
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Ontem (terça, 5), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), assimilou a pressão de alguns de seus pares e determinou a inclusão de três propostas de emenda à Constituição sobre o assunto – medida que, a poucas semanas do julgamento de Demóstenes, intensificou o debate sobre as votações secretas no Parlamento. A mais recente delas, em agosto de 2011, resultou na absolvição – por 265 dos 513 votos possíveis – da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada em vídeo recebendo dinheiro de propina, em esquema de corrupção desbaratado pela Polícia Federal.
O episódio ocorreu em 2006, mas veio à tona durante a gestão de José Roberto Arruda (ex-DEM), igualmente envolvido no esquema e defenestrado do Governo do Distrito Federal no início de 2010. Prevaleceu a tese controversa, e mal vista pela opinião pública, de que Jaqueline praticou a receptação antes do início do seu mandato de deputada federal, portanto não deveria perdê-lo. Não é o caso de Demóstenes, flagrado em diversos telefonemas como Cachoeira, no exercício de seu mandato de senador, e atuando como uma espécie de lobista do contraventor no Congresso.
Ato ou efeito de “espernear”
A interpretação jurídica da defesa de Demóstenes, centralizada na figura de Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, foi contestada pelo senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), um dos responsáveis por apresentar a representação contra Demóstenes no Conselho de Ética. Os advogados de Demóstenes “forçam a barra” quando ameaçam uma contestação judicial contra o voto aberto nos caso de processo por quebra de decoro parlamentar, diz Randolfe, que também integra a chamada CPI do Cachoeira – colegiado misto que se debruça, entre outras coisas, justamente sobre as relações de Demóstenes com o contraventor Carlos Cachoeira, preso desde fevereiro pela Polícia Federal.
Publicidade“Convenhamos, querer utilizar esse argumento é uma forçação [sic] de barra que não está à altura de um advogado tal qual o eminente doutor Kakay”, disse Randolfe ao Congresso em Foco. “Até entendo sua excelência o senhor Kakay – ele está exercendo o mais sagrado dos direitos que o advogado tem de exercer, que é o jus sperniandi”, ironizou Randolfe, referindo-se à expressão (“jus sperniandi”) que, apesar de não existir formalmente, traduz o direito que o cidadão tem de reclamar – ou “espernear”, como o termo denota – em defesa de suas convicções. O termo é comumente citado por operadores do Direito, em debates e sustentações orais.
À parte a ironia, Randolfe é enfático quando se trata da deliberação sobre o caso Demóstenes. Para o senador amapaense, a retroação de uma proposta de emenda à Constituição, nesse caso, não pode ser contestada porque não se trata de processo penal, mas apreciado no âmbito do Senado, segundo preceitos constitucionais. “Data vênia o querido advogado: para isso que nós vamos apreciar, o princípio da irretroatividade não vale. Ele vale para uma situação penal, e a questão específica da quebra de decoro parlamentar não é uma situação política, e não penal. O decoro parlamentar é uma instituição política da República Federativa do Brasil, do Parlamento, previsto na Constituição brasileira”, acrescentou Randolfe, que diz não ter dúvidas de que o voto aberto será aplicado no próximo julgamento de cassação.
“Homenagem”
Lembrado de que o senador Demóstenes presidiu a Comissão de Constituição e Justiça à época em que as principais PECs sobre o assunto foram aprovadas (PECs 50/2006, 86/2007 e 38/2004), em 2010, Randolfe que esse é mais um motivo para acelerar sua aprovação. “Não estamos mudando a lei para prender um acusado. Estamos fazendo uma mudança no texto constitucional para mudar algo que, inclusive, já deveria ter sido mudado desde 1988 [promulgação do texto constitucional], que é o procedimento de voto aqui no Parlamento. Não é para o caso específico do senador Demóstenes. Ele defendeu isso [na CCJ]. Se tem alguma razão de fazermos essa lei, é em homenagem a ele, porque foi um dos defensores dela”, concluiu Randolfe, pouco depois de discursar em plenário.
Antes da discussão sobre as PECs, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) se antecipou e ajuizou no Supremo Tribunal Federal mandado de segurança para garantir a exposição de seu voto no julgamento de Demóstenes em plenário – previsto para acontecer antes do recesso parlamentar, em 17 de julho. O próprio relator do caso Demóstenes no Conselho de Ética, Humberto Costa (PT-PE), também já alertou para a importância de abrir o voto no Parlamento, diante da pressão crescente da opinião pública. O petista já apresentou voto preliminar pela cassação e, embora evite declarar publicamente, manterá a orientação para o plenário.