Edson Sardinha
No que depender do vice-líder do governo na Câmara Beto Albuquerque (PSB-RS), o presidente Lula não terá o apoio do PSB na disputa à reeleição. Para justificar o rompimento com o PT em 2006, Albuquerque aponta dois motivos de ordem eleitoral: a verticalização partidária e a cláusula de barreira.
A primeira impede que os partidos façam, nos estados, coligações distintas das feitas em nível nacional. A outra restringe às legendas que obtiverem no mínimo 5% dos votos para a Câmara o direito de constituir lideranças e de receber recursos dos fundos partidários as legendas. “Não há nada que justifique pormos em risco a existência do Partido Socialista Brasileiro, que é um partido coerente histórica e ideologicamente, em homenagem a uma aliança presidencial”, avisa o deputado, que é o segundo-vice-presidente nacional do PSB. Atrelado ao PT, segundo ele, o PSB corre risco de perder poder político.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o vice-líder do governo expressa toda a sua insatisfação com o PT e a política econômica do ministro Antonio Palocci (Fazenda). “O que não é compreensível, na nossa política econômica que aí está é, em primeiro lugar, o superávit exagerado que está sendo praticado. Muito maior que os 3,75% que o FMI nos impunha quando a ele estávamos subordinados. Hoje, nominalmente, chegamos a 6% do PIB. Isso é um exagero absurdo”, critica. “O fundamentalismo econômico em algumas áreas que está sendo praticado pelo Ministério da Fazenda tem limites”, emenda.
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Também responsabiliza o PT pela crise política: "O governo está sofrendo pelos descaminhos que o PT impôs, por meio da sua alta cúpula, ao gerar relações promíscuas e incestuosas com alguns partidos que compuseram a base".
Congresso em Foco – O ano de 2003 foi de tranqüilidade para o governo Lula no Congresso. Em 2004, foi o ano da negociação. Em 2005, estourou a crise. Quais as perspectivas para o governo em 2006?
Beto Albuquerque – Será muito difícil, por ser um ano eleitoral. A política no Brasil ainda não está amadurecida para pensar em eleições sem tornar secundário o interesse da nação e as necessidades do país. Há um estoque de problemas graves de 2005 ainda não resolvidos. Há julgamentos por fazer. Vamos pegar todo esse rescaldo em 2006.
De que forma o governo pretende amenizar os efeitos desse rescaldo?
O governo tem uma pauta. A primeira iniciativa do governo em 2006 é mostrar ao Congresso a necessidade de termos o Fundeb (Fundo Nacional de Educação Básica), um plano nacional de habitação, uma política nacional de saneamento básico e de regulamentarmos a atividade das agências reguladoras para que as parcerias público-privadas aconteçam. Temos de demonstrar ao Congresso o mérito das questões que são fundamentais para o desenvolvimento do país. É lógico que nossa base anda um tanto quanto desengrenada. O governo tem de reconstruir essa unidade para que a gente possa ter coesão. Um ano eleitoral sem coesão da base da maioria é um ano perdido.
E a partir de que momento o governo começou a perder o controle de sua base?
O governo está sofrendo pelos descaminhos que o PT impôs, por meio da sua alta cúpula, ao gerar relações promíscuas e incestuosas com alguns partidos que compuseram a base. O governo paga na sua imagem e no seu crédito em razão dessas condutas equivocadas, que, evidentemente, foram incubadas para dentro do governo pela oposição, que agiu espertamente. O governo paga um preço alto pela má conduta do que ocorreu fora do Congresso, no nível da direção dos partidos. Essa é a realidade.
O governo virou vítima do PT?
Não é que foi vítima, mas tem pagado um preço grande em razão das relações equivocadas e ilegais que o PT teve com alguns partidos da base do governo.
O ex-ministro José Dirceu, enquanto esteve na Casa Civil, contribuiu de alguma fora para essa desagregação da base?
O ex-ministro José Dirceu tinha um grande poder de articulação política, era um homem sintonizado com as demandas de governo, tinha contato e força política. Infelizmente, pagou um preço alto pelo denuncismo e pela má conduta do Partido dos Trabalhadores, cujo ambiente de punição indiscriminada, com ou sem prova, se formou dentro do plenário.
Desde o início da atual gestão, líderes da base reclamam que o PT centraliza muito poder. Houve alguma mudança nesse comportamento desde o início da crise?
Depois da crise é muito difícil achar solução. O hegemonismo que o PT sempre procurou exercer sobre o governo e a base governista ficou bastante prejudicado. Temos sérios problemas de entendimento. Há muita gente querendo tirar algum tipo de vantagem ou barganha sobre o governo no momento em que a base está fragilizada. Isso dificulta, e muito, nossa ação coletiva.
Nesse sentido, a resolução aprovada pelo PT, no último dia 10, com críticas à política econômica torna ainda mais complicada a recomposição da base governista?
O presidente da República é do PT. O programa de governo, no primeiro turno das eleições de 2002, foi apresentado pelo PT. A política econômica que está em curso é uma política econômica que estava clara no programa de governo do PT. Falo à vontade porque nós, do PSB, apresentamos no primeiro turno da eleição um novo enfoque de política econômica. Chega a ser surpreendente que, a esta altura do campeonato e nessas circunstâncias, haja uma manifestação teoricamente independente do PT em relação à política econômica que ele mesmo protagonizou. A política econômica do governo é correta no que diz respeito à responsabilidade fiscal. O Brasil paga uma carga tributária enorme exatamente por causa de irresponsabilidades históricas.
Que tipo de irresponsabilidade?
De fazer e gastar o que não podia, fazer obras desnecessárias, criar privilégios e castas no serviço público. É preciso – e o governo Lula tem feito isso – agir com rigor fiscal, gastar só o que é possível, não fazer nada além do que pode. O que não é compreensível, na nossa política econômica que aí está é, em primeiro lugar, o superávit exagerado que está sendo praticado. Muito maior que os 3,75% que o FMI nos impunha quando a ele estávamos subordinados. Hoje, nominalmente, chegamos a 6% do PIB. Isso é um exagero absurdo. Se tivéssemos coragem de fazer algum mecanismo de controle sobre os capitais de curto prazo no país e sobre a volatilidade do próprio dólar, poderíamos reduzir o superávit e os juros sem espantar os US$ 24 bilhões que andam circulando na especulação brasileira. Mas esse é um remédio que deveríamos ter tomado há mais tempo. No macro, a política econômica tem feito um trabalho fundamental, que é manter a serenidade e a credibilidade internacional, e de crescer, ainda que em percentuais menores do que precisamos. Mas o fundamentalismo econômico em algumas áreas que está sendo praticado pelo Ministério da Fazenda tem limites.
O senhor disse que o PSB tinha outra concepção da política econômica desde o início do governo. Qual é a razão dessa mudança de postura do PT, a um ano da eleição?
Há um pouco de oportunismo, mas, de certa forma, uma autonomia que o PT já podia ter exercido antes. O PT está reivindicando esse poder meio tarde demais. Quando é muito tarde, pode soar oportunismo e isso acaba prejudicando ao colocar um conjunto de frentes contrárias ao governo. A situação piora quando alguns ministros começam a fazer coro a esse tipo de tese depois de concordarem, por três anos, com a política que está sendo implementada. Isso não ajuda, mas respeito a independência que o PT tem para tomar esse tipo de decisão.
Diante desse cenário, a tendência é o PSB não seguir o PT na reeleição de Lula?
Isso depende muito da verticalização. Se for mantida a verticalização eleitoral, em que um partido é obrigado a reproduzir nos estados a mesma coligação feita em plano nacional, vou defender, dentro do PSB, que nós não tenhamos uma coligação formal em nível nacional com o PT, porque precisamos vencer a cláusula de barreira. Não há nada que justifique pormos em risco a existência do Partido Socialista Brasileiro, que é um partido coerente histórica e ideologicamente, em homenagem a uma aliança presidencial. Mantida a verticalização, o PSB pode até ter candidato no primeiro turno ou não ter candidato algum. Mas não devemos nos coligar com ninguém para que possamos ultrapassar a cláusula de barreira, que é a cláusula mortal para a existência dos partidos a partir da eleição do ano que vem.
Mas em que o governo tem de mudar sua relação com a base?
É não dar mole para quem barganha. O governo tem de ter maioria em cima de projetos e compromissos e não dar mole para quem atrapalha.
O governo tem dado mole?
O governo vacilou num momento de dificuldade.
Em quais momentos?
Esses momentos de crise são de fragilidade. Nós temos que cumprir o trivial, respeitar o direito dos parlamentares e pagar suas emendas rigorosamente em dia. Os ministérios precisam fazer mais política. Ministro não pode ficar atrás de um bureau. Tem que falar com a imprensa, receber parlamentares e prefeitos. O governo precisa avançar nos compromissos que tem com os prefeitos, fazendo uma pauta municipalista importante.