Fábio Góis
Um manifestante despejou hoje (quinta, 9) sua revolta contra a classe política em Dourados, município de Mato Grosso do Sul, com uma sapatada no segundo-secretário da Câmara Municipal de Dourados, Aurélio Bonatto (PDT). O vereador é um dos acusados de participação em esquema de corrupção que, desbaratado há duas semanas, levou à cadeia o prefeito da cidade, Ari Valdeci Artuzi (bem como a primeira-dama, Maria Artuzi), o vice-prefeito, Carlinhos Cantor, e mais nove vereadores, inclusive da oposição. Seis deles foram soltos hoje.
Mesmo diante do aparato reforçado de segurança (um pelotão de 50 homens da Polícia Militar), um homem sacou seu sapato e acertou em cheio a testa de Aurélio, logo depois que o vereador sentou-se à Mesa para abrir os trabalhos. Uma funcionária da Câmara Legislativa, que orientava o pedetista, quase foi atingida pelo calçado – daqueles que, nos moldes tradicionais, de couro e com solado de madeira, podem ferir gravemente se arremessados com força e velocidade. Nas imagens, é possível ver o cabelo da servidora levantado pelo “projétil”.
Para deter o homem, que partiu pra cima do vereador mesmo depois da sapatada, foram necessários quatro homens da Força Tática (Getam) da Polícia Militar. Antes disso, um homem de vermelho aparece aplicando um golpe no manifestante, jogando-o ao chão. Diante do tumulto, o vereador atingido pelo sapato deixou a Mesa do plenário.
Confira:
O flagrante foi registrado pela TV MS Record, que acompanhava a movimentação dos cidadãos de Dourado no momento do arremesso do sapato. A Câmara estava lotada, com todos os elementos de protesto popular: além da sapatada, a revolta popular se traduziu em moedas arremessadas contra o plenário e faixas que exibiam inscrições como “Prisão aos corruptos e corruptores!”.
Apenas três vereadores tiveram coragem de ocupar as cadeiras do plenário, na sessão aberta às 9h e suspensa logo depois. A sessão acabou cancelada, “em função da segurança dos vereadores e de todos os funcionários desta Casa de leis”, como informou um funcionário da Câmara em meio às vaias dos cidadãos.
O Ministério Público estadual já pediu o afastamento de todos os suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção, que consistia no pagamento de propina a políticos por empresas cooptadas pela prefeitura. Hoje, o Diário Oficial de Dourados, um dos principais municípios do estado, publicou a demissão de 130 funcionários “fantasmas”, que recebiam sem trabalhar na gestão Artuzi. A medida foi decretada pelo prefeito interino do município, o juiz estadual Eduardo Machado Rocha, e seria apreciada pelos vereadores na sessão da sapatada.
Sapato importado
O episódio de Dourados remete a outro ocorrido em 14 de dezembro de 2008, em Bagdá (Iraque), com repercussão internacional decorrente das circunstâncias e dos personagens envolvidos. Na época, tropas dos Estados Unidos ainda ocupavam o país do Oriente Médio, depois de conflito de quase uma década que levou à destituição e enforcamento do presidente iraquiano Saddam Hussein e de milhares de mortes de civis e militares.
Foi quando o jornalista iraquiano Muntazer al Zaidi, que cobria a entrevista coletiva concedida naquele país pelo então presidente norte-americano, George W. Bush, já em fim de mandato. Nos primeiros instantes da coletiva, Muntazer entoou palavras de ordem contra o chefe de Estado e, para perplexidade dos próprios colegas, arremessou-lhe os próprios sapatos (não só um, como na versão tupiniquim do arremesso de calçado, mas ambos). O ato chegou a virar jogo on-line, que consistia justamente em dar sapatadas em Bush.
Bush, mostrando que gozava de reflexo e agilidade e para resignação de seus desafetos, esquivou-se dos sapatos iraquianos. Em tempo: as palavas proferidas pelo jornalista iraquiano foram: “Este é seu beijo de despedida, cachorro!”.
Relembre:
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