Ricardo Ferraço*
A verdade em pratos limpos, doa a quem doer. É o que o Brasil espera da comissão criada para revirar o baú da história e devolver ao cidadão brasileiro o que de direito lhe pertence: a memória do seu país, com seus acertos, mas também com seus erros. Memória que por certo vai ajudar a entender melhor o presente e a construir com mais firmeza o futuro. Terrorismo, repressão, tortura, mortes, desaparecidos políticos, tudo isso faz parte de um passado que merece ser estudado nos livros de escola e conhecido por todas as gerações.
Se o Brasil fez feio no último relatório da Anistia Internacional – pela violência no campo, ação de milícias e precariedade do sistema prisional, entre outros motivos –, ele recebeu elogios, no mesmo documento, por conta da instalação da Comissão da Verdade. O clima inicial de tensão entre a ala militar e ativistas da área de direitos humanos acabou quebrado – ou pelo menos amenizado – depois que a presidente Dilma Rousseff, ex guerrilheira, presa e torturada durante a ditadura, deu o tom das investigações: elas devem ser conduzidas sem ódios ou revanchismo.
As declarações feitas pelo presidente da comissão, o jurista Gilson Dipp, após a primeira reunião de trabalho são animadoras. Ele garantiu que o grupo vai atuar com absoluta independência e a prioridade inicial é o cruzamento de dados com duas comissões já existentes que também tratam de crimes cometidos durante a ditadura, as comissões de Anistia e a de Mortos e Desaparecidos. A Comissão da Anistia tem o maior acervo de vítimas da ditadura, com 70 mil processos de pedido de anistia.
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Os novos ventos que vêm arejar ainda mais a democracia brasileira devolveram ao povo não apenas o direito de conhecer a própria história, mas de ter acesso a qualquer informação de interesse público – isso inclui contratos, convênios, contas de campanhas eleitorais, documentos diplomáticos, execução orçamentária e por aí vai. Com uma lei específica de acesso à informação pública, o Brasil agora integra um clube politicamente correto, que já reúne cerca de 90 países. E entrou para esse grupo com um atraso de 24 anos – o direito à informação pública é garantido com todas as letras desde a Constituição de 1988, mas nunca havia sido regulamentado.
A abrangência da nova lei compensa a demora. Em vigor desde 16 de maio, ela abrange as três esferas do poder – federal, estadual e municipal – e vale para o Judiciário, Legislativo e Executivo. Todos os órgãos públicos, autarquias, fundações, empresas públicas e de economia mista, além de organizações não governamentais que recebem recursos do Estado, estão sendo obrigados a se adaptar à nova cultura da transparência.
É uma mudança radical de hábitos. Não vai ser fácil abrir, de uma hora para outra, tantos dados encobertos – ou acobertados – pelo sigilo e pela burocracia. Se nem o governo federal está completamente preparado para isso, dá para imaginar a situação dos estados e dos municípios – mesmo porque essa abertura de informações exige processo operacional complexo, incluindo pessoal qualificado e adaptações tecnológicas.
O que importa é que estamos num caminho sem volta, até porque, numa democracia por fim madura, a sociedade não aceita retrocessos em termos de ética e liberdade. Ganhamos todos. Somente um cidadão bem informado pode participar ativamente do cenário político de seu país, exercendo papel fundamental de fiscalização e correção da atividade do Estado. Mais: o acesso à informação é uma vacina contra a corrupção e é também condição básica para um ambiente de segurança jurídica, capaz de atrair investidores e impulsionar o desenvolvimento.
*Senador pelo PMDB do Espírito Santo