Eduardo Militão
Veja os principais pontos do novo código, segundo a Agência Senado:
Modelo acusatório
O projeto define o processo penal de tipo acusatório, onde os papéis dos sujeitos processuais são mais bem definidos, com a proibição de o juiz substituir o Ministério Público na função de acusar e de levantar provas que corroborem os fatos narrados na denúncia, sem prejuízo da realização de diligências para esclarecimento de dúvidas.
A medida deixa clara a responsabilidade do Ministério Público em relação à formação da prova e, ao mesmo tempo, impede que o juiz se distancie do seu compromisso com a imparcialidade.
Também fica garantido, na investigação criminal, o sigilo necessário à elucidação do fato e a preservação da intimidade e da vida privada da vítima, das testemunhas e do investigado, inclusive a exposição dessas pessoas aos meios de comunicação.
Inquérito policial
Com o objetivo de reforçar a estrutura acusatória do processo penal, o inquérito policial iniciado deverá passar a ser comunicado imediatamente ao Ministério Público. Segundo o consultor da área de Direito Penal do Senado Jayme Benjamin Santiago, o objetivo é que o inquérito policial seja acompanhado mais de perto pelo Ministério Público, “propiciando maior aproximação entre a polícia e o órgão de acusação”.
Ainda pelo projeto, fica definido que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos delegados não exclui a competência de outras autoridades administrativas.
Juiz das garantias
O novo Código de Processo Penal (CPP) introduz a figura do juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art.14).
Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença, porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único do CPP). Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo julgar o caso – este tendo ampla liberdade em relação ao material colhido na fase de investigação.
Ação Penal
O projeto de Código (PLS 156/09) também traz modificações significativas ao instituto da Ação Penal. Acaba, em primeiro lugar, com a ação penal privativa do ofendido, hoje prevista em vários dispositivos da legislação nos crimes contra a honra, de esbulho possessório de propriedade particular, de dano, fraude à execução, exercício arbitrário das próprias razões, entre outras infrações penais. Nesses casos, o processo passa a ser iniciado por ação pública, condicionada à representação do ofendido, podendo ser extinta com a retratação da vítima, desde que feita até o oferecimento da denúncia.
Segundo o consultor do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira, que integrou a comissão de juristas responsável pela elaboração do projeto, o novo texto permite ainda a possibilidade de extinção da ação penal por meio de acordo entre vítima e autor, nas infrações com consequência de menor gravidade.
Interrogatório
Também há mudanças no instituto do interrogatório, que passa, no texto do projeto, a ser tratado como meio de defesa e não mais de prova (art.185 e seguintes do atual CPP), ou seja, é um direito do investigado ou do acusado. Além disso, o projeto prevê respeito à capacidade de compreensão e discernimento do interrogado, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar. A autoridade responsável pelo interrogatório também não poderá oferecer qualquer vantagem ao interrogado em troca de uma confissão, se não tiver amparo legal para fazê-lo.
Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado do inteiro teor dos fatos a ele imputados; de que poderá reunir-se em local reservado com seu defensor; de que suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de sua defesa; do direito de permanecer em silêncio e de que esse silêncio não poderá ser usado como confissão ou mesmo ser interpretado em prejuízo de sua defesa. A novidade é que o projeto é bem mais detalhado do que o atual código, permitindo a presença do defensor já na fase do inquérito.
O interrogatório será constituído de duas partes: a primeira sobre a vida do acusado e a segunda sobre os fatos. Ao final, a autoridade indagará ao acusado se tem algo mais a declarar em sua defesa. Se quiser confessar a autoria de um crime, será questionado se o faz de livre e espontânea vontade. Tudo que for dito será reduzido a termo, lido e assinado pelo interrogando e seu defensor, bem como pela autoridade responsável pelo ato.
Também passa a ser permitido o interrogatório do réu preso por videoconferência, desde que a medida seja necessária para prevenir risco à segurança pública; para viabilizar a participação do réu doente ou impedido de comparecer a juízo por outro motivo ou ainda para impedir influência do reú no depoimento da testemunha ou da vítima.
Vítima
O projeto prevê tratamento digno à vítima, que deixa de depender de favores e da boa vontade das autoridades, para ter direitos, entre os quais o de ser comunicada da prisão ou soltura do suposto autor do crime; da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; do arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado.
A vítima também poderá obter cópias e peças do inquérito e do processo penal, desde que não estejam sob sigilo; poderá prestar declarações em dia diferente daquele estipulado para a oitiva do autor do crime ou aguardar em local separado do dele; ser ouvida antes de outras testemunhas e solicitar à autoridade pública informações a respeito do andamento e do desfecho da investigação ou do processo, bem como manifestar as suas opiniões.
Provas
O texto a ser votado, segundo o consultor Fabiano Silveira, adota um conceito mais restritivo e obediente ao contraditório da ampla defesa, em comparação ao atual código. Pelo projeto, o juiz decidirá sobre a admissão das provas, indeferindo as vedadas pela lei e as manifestamente impertinentes e irrelevantes.
Acareação
O projeto acaba com a acareação entre acusados, deixando esse procedimento somente para as pessoas que têm obrigação legal de dizer a verdade: testemunhas e vítimas.
Interceptação telefônica
As escutas telefônicas somente serão autorizadas em crimes cuja pena máxima for superior a dois anos, situação que caracteriza as infrações de médio e grave potencial ofensivo, salvo se a conduta delituosa for realizada exclusivamente por meio dessa modalidade de comunicação ou se tratar de crime de formação de quadrilha ou bando.
Além disso, o prazo de duração da interceptação, em geral, não deverá exceder a 60 dias, em geral, mas poderá chegar a 360 dias ou até mais, quando necessário ou se tratar de crime permanente.
Pena mais rápida
Com o objetivo de tornar mais rápida e menos onerosa a ação da justiça, passa a ser permitida, no projeto a ser votado, a aplicação da pena mediante requerimento das partes, para crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse oito anos. Com acordo e havendo confissão, a pena será aplicada no mínimo legal.
Júri
Outra mudança em relação ao código em vigor é a permisão para que os jurados conversem uns com outros, salvo durante a instrução e os debates. O voto de cada um continua sendo secreto e por meio de cédula, mas deverão se reunir reservadamente em sala especial, por até uma hora, a fim de deliberarem sobre a votação.
Recursos de ofício
O projeto do novo Código de Processo Penal (CPP) acaba com os chamados recursos de ofício, quando o juiz remete sua decisão ao tribunal competente para necessário reexame da matéria, independente da manisfestação das partes.
O substitutivo do senador Renato Casagrande (PSB-ES) ao projeto (PLS 156/09) do senador José Sarney (PMDB-AP) está na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) desta quarta-feira (17) e substitui o Decreto-Lei 3.689/41.
Pelo projeto de código, todo e qualquer recurso dependerá de iniciativa da parte que se sentir prejudicada com a decisão, ou seja: as partes ou as vítimas, assistente ou terceiro prejudicado. Além disso, para ganhar tempo, já na interposição do recurso a parte terá que apresentar as razões para o apelo. Pelo atual código (art 600), a parte formaliza a apelação na primeira instância, mas aguarda a intiminação para, só mais tarde, no tribunal, apresentar as razões do apelo.
O projeto ainda dispõe que os recursos sejam interpostos e processados independentemente de preparo e de pagamento de custas ou despesas, diferentemente do que determina a atual legislação, pela qual nenhum ato ou diligência é tomada sem depósito das custas em cartório (artigo 805 e 806). O consultor do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira, que integrou a comissão de juristas responsável pela elaboração do projeto, lembra que, neste caso, o projeto somente atualiza o texto do CPP, pois, na prática, a dispensa do pagamento de custas e despesas para os comprovadamente carentes já vem sendo aplicada pela Justiça.
Fiança
Pelo substitutivo, o valor da fiança será fixado entre um a 200 salários mínimos, nas infrações penais cujo limite máximo da pena privativa de liberdade fixada seja igual ou superior a oito anos e de um a cem salários mínimos nas demais infrações penais. Para determinar o valor da fiança, a autoridade considerará a natureza, as circunstâncias e as consequências do crime, bem como a importância provável das custas processuais, até o final do julgamento. No entanto, dependendo da situação econômica do preso e da natureza do crime, pode também ser reduzida até o máximo de dois terços ou ainda ser aumentada, pelo juiz, em até cem vezes.
Pela atual legislação, não há nenhuma restrição contra a apresentação sucessiva de embargos de declaração sobre outros embargos de declaração, que são recursos utilizados para esclarecer, na decisão, pontos obscuros, contraditórios ou omissos. Pelo projeto de código, esses embargos ficam limitados a um único pedido de esclarecimento, no prazo de dois dias.
Habeas Corpus
O habeas corpus passa a ter restrição no projeto de código, pois somente poderá ser deferido se realmente existir situação concreta de lesão ou ameaça ao direito de locomoção. O objetivo é evitar a concessão desse recurso nos casos em que a prisão ainda não tenha ocorrido. Além disso, para impedir a utilização do habeas corpus como substituto a outros recursos, o projeto de código estabelece que ele não poderá ser admitido nas hipóteses em que seja previsto recurso com efeito suspensivo.
Medidas cautelares
O projeto de código lista 16 tipos de medidas cautelares: a prisão provisória; a fiança; o recolhimento domiciliar; o monitoramento eletrônico; a suspensão do exercício da profissão, atividade econômica ou função pública; a suspensão das atividades de pessoa jurídica; a proibição de frequentar determinados lugares; a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave; o afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima; a proibição de ausentar-se da comarca ou do país; o comparecimento periódico ao juiz; a proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada; a suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte; a suspensão do poder familiar; o bloqueio de internet e a liberdade provisória.
Segundo Casagrande, atualmente, o juiz só tem duas alternativas: prender ou soltar, não lhe sobrando espaço caso não tenha certeza da decisão.
– Com esse rol de medidas cautelares, o juiz passará a ter diversas alternativas – explicou o senador.
Com relação aos bens patrimoniais obtidos por meio de prática criminosa, o projeto de código prevê três medidas cautelares: indisponibilidade, sequestro e hipoteca legal. São diversas as mudanças propostas, mas a inovação de maior alcance é a que permite a alienação cautelar dos bens sequestrados, sem que haja a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória, se houver receio de depreciação patrimonial pelo decurso de tempo (art.625).
– Hoje, o leilão não pode ocorrer até que o processo chegue ao fim, o que, muitas vezes, causa a deterioração do bem – explica Casagrande.
Regras para prisões
As prisões provisórias, temporárias e preventivas também sofreram modificações na proposta de reforma do Código de Processo Penal (CPP). A prisão provisória fica limitada a três modalidades: flagrante, preventiva e temporária. Uma novidade no projeto de código é a determinação de que não haverá emprego de força, como a utilização de algemas, salvo se indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. Pela atual legislação, o advogado do preso precisa entrar com pedido de liberdade provisória para recorrer desse tipo de prisão. Pelo projeto, o juiz deverá examinar se existem razões para manter a pessoa presa, não sendo necessária a ação do advogado.
Prisão em flagrante
Pelo projeto a ser apreciado, considera-se em flagrante quem está cometendo a ação penal ou acaba de cometê-la ou ainda quem é perseguido ou encontrado, logo após, pela autoridade, pela vítima ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração. Ainda prevê o novo CPP que é nulo o flagrante preparado, com ou sem a colaboração de terceiros, quando seja razoável supor que a ação, impossível de ser consumada, só ocorreu em virtude daquela provocação.
Prisão preventiva
O texto do projeto traz, no artigo 554, três regras básicas que deverão nortear esse tipo de instituto, com o objetivo de que ele seja utilizado somente em situações mais graves:
– jamais será utilizada como forma de antecipação da pena;
– a gravidade do fato ou o clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva;
– somente será imposta se outras medidas cautelares pessoais revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativamente.
Também determina que não cabe prisão preventiva nos crimes culposos; nos crimes dolosos cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou inferior a quatro anos, exceto se cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa; e ainda se o agente estiver acometido de doença gravíssima, de tal modo que o seu estado de saúde seja incompatível com a prisão preventiva ou exija tratamento permanente em local diverso. Já com relação aos prazos máximos, a prisão preventiva não poderá ultrapassar 180 dias, se decretada no curso da investigação ou antes da sentença condenatória recorrível; ou de 360 dias, se decretada ou prorrogada por ocasião da sentença condenatória recorrível. Esses períodos poderão sofrer prorrogação, mas vale destacar que o juiz, ao decretar ou prorrogar prisão preventiva, já deverá, logo de início, indicar o prazo de duração da medida. A prisão preventiva que exceder a 90 dias será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente, que deverá avaliar se persistem ou não os motivos determinantes da sua aplicação, podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar. O atual CPP não estipula prazos para a prisão preventiva; a jurisprudência, no entanto, tem fixado em 81 dias o prazo desse instituto até o final da instrução criminal.
Prisão temporária
O projeto adota uma postura mais restritiva em relação à legislação em vigor, ao determinar que esse instituto somente deverá ser usado se não houver “outro meio para garantir a realização do ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios precisos e objetivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação”. Isso significa que a prisão preventiva não poderá mais ser utilizada sob o pretexto de garantir qualquer ato de investigação, mas somente os considerados “essenciais” e, mesmo assim, somente a partir de “indícios precisos e objetivos” de que o investigado, livre, possa criar obstáculos à investigação.
Já os prazos continuam os mesmos da atual legislação: máximo de cinco dias, admitida uma única prorrogação, por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, outra novidade é que o juiz poderá condicionar a duração da prisão temporária ao tempo estritamente necessário para a realização do ato investigativo.”