"EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
ORLANDO FANTAZZINI NETO, brasileiro, deputado federal, portador do CPF nº 947.730.928-15, domiciliado em Brasília, no Anexo III, Gab. 579, Câmara dos Deputados, vem diante de Vossa Excelência, com fundamento no art. 127, caput e art. 129, II, III e IV, ambos da Constituição Federal e nos termos da Lei Complementar nº 75, de 1993, destacadamente os dispositivos do art. 6º, VII, alíneas "a" a "d" e incisos XIV, XVII, "d", XIX e XX, todos do mesmo diploma, ofertar a presente REPRESENTAÇÃO
para a verificação, mediante instauração de competente inquérito civil ou procedimento análogo, junto ao Ministério da Comunicação e Ministério da Justiça, bem como perante as concessionárias emissoras de RÁDIO E TELEVISÃO, do efetivo cumprimento do disposto na Constituição Federal, art. 223 e parágrafos, ante as razões de fato e direito adiante expostas:
Segundo estudo do e-Fórum – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, publicado no Boletim nº 106, de 23 de junho de 2006 (o estudo pode ser encontrado no site www.fndc.org.br), 40% das televisões brasileiras operam com outorgas vencidas.
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Informa o estudo que algumas emissoras não renovam sua concessão há 20 anos, mas continuam funcionando normalmente sem, sequer, alguma espécie de pena ou restrição da concessão.
A matéria das outorgas das rádios e televisões está assim disposta na Constituição Federal (CF/88):
"Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
§ 1º – O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.
§ 2º – A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.
§ 3º – O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
§ 4º – O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.
§ 5º – O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão."
O art. 64 da CF/88 mencionado, determina o seguinte prazo para a apreciação das proposições de concessão:
(…)
§ 2º – Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.
Art. 64 (…)
(…)
§ 4º – Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código."
A Lei nº 4.117, de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações), art. 33, § 3º, relativamente às concessões, determina os seguintes prazos e condições:
"§3º – Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o da televisão, podendo ser renovados por períodos sucessivos e iguais se os concessionários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais."
Há vários fatores que têm contribuído para a situação de ilegalidade no funcionamento deste alto índice (40%) de emissoras com a outorga da concessão vencida.
A primeira é a demora do Congresso Nacional em analisar os pedidos de concessão, situação que tem contribuído para a caducidade das outorgas e do conseqüente funcionamento irregular dessas emissoras.
É fato que o Congresso Nacional, por vontade e atos próprios, não tem cumprido os prazos estabelecidos para a apreciação de concessões e renovações de concessões, o que tem ocasionado o funcionamento de emissoras de rádio e TV sem o devido fundamento em autorização ou outorga válida.
Entretanto, a demora da apreciação de renovação ou concessão pelo Congresso não é o único problema ou inconstitucionalidade, o que nos conduz ao segundo problema, que é a falta de documentos nos processos de concessão e renovação.
Muitos processos em trâmite demoram mais do que o prazo constitucional (45 dias, a contar do recebimento da mensagem presidencial, com o sobrestamento das demais proposições, conforme art. 223, §1º, c/c art. 64, §§ 2º e 4º da CF/88), porque as concessionárias não providenciam a documentação exigida pelo Congresso.
Deste modo, a exceção trazida pela lei para a prorrogação da concessão passou, pela prática e desídia das próprias emissoras (com dolo ou não), e com a conivência do Congresso, uma regra contrária ao ditame constitucional de tratar-se a comunicação social de um bem do Estado e não privado, que exige expressa outorga pública depois da verificação do cumprimento dos requisitos legais e constitucionais.
Assim, a condição para a extensão da validade da outorga, na prática não ocorre. As emissoras continuam operando normalmente, mesmo com processos parados por falta de documentação há mais de uma década e, por fim, quando há a apreciação, a renovação quase nunca é negada.
O Sistema de Controle de Radiodifusão, da Anatel, informa que dos 367 casos levantados pelo estudo do e-Fórum, entre outorgas vencidas e a vencer, 145 deles – ou seja, 39,5% do total – haviam expirado seus prazos de validade sem que nenhuma providência mais severa fosse adotada, uma vez que as emissoras continuam funcionando.
Na lista temos, apenas como exemplo, emissoras de grande e médio porte, em importantes e populosas regiões brasileiras, como as TVs Bandeirantes de Brasília-DF, Rio de Janeiro-RJ, Campinas-SP e Presidente Prudente-SP.
O modo genérico e não criterioso como a regulamentação do Código de Telecomunicações irresponsavelmente trata a matéria, tem permitido em larga escala a desídia pública e privada sem que medidas, em prejuízo, muitas vezes, aos interesses públicos, sejam adotadas.
Diz o Decreto nº 88.066/83, nos artigos 4º e 9º que:
Art. 4º – Havendo a concessionária ou permissionária requerido a renovação na forma devida e com a documentação hábil ter-se-á o pedido como deferido.
Art. 9º – Caso expire a concessão ou permissão, sem decisão sobre o pedido de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário.
Numa análise mesmo superficial do art. 4º chega-se a conclusão óbvia: para a renovação da outorga é necessário que a documentação exigida esteja no processo. Ainda que para a "renovação tática" prevista no transcrito art. 4º, é condição sine qua non o requerimento "na forma devida e com a documentação hábil".
As disposições dos artigos transcritos são flagrantemente ofensivas ao que dispõe o §3º do art. 223 da CF/88, que determina:
Art. 223 – ….
§3º – O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após a deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
Portanto, não há a possibilidade de renovação ou outorga tácita, como inconstitucionalmente prevêem os artigos 4º e 9º do Decreto 88.066/83.
Tecnicamente é um flagrante caso de não recepção pela CF/88 (art. 223), dos transcritos artigos do decreto.
A idéia inconstitucional de "outorga precária pela renovação tácita" é colocada, ainda, na MP 2.216-37, que determina, relativamente às rádios comunitárias:
Art. 2° O Serviço de Radiodifusão Comunitária obedecerá ao disposto no art. 223 da Constituição, aos preceitos desta Lei e, no que couber, aos mandamentos da Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, e demais disposições legais.
Parágrafo único. Autorizada a execução do serviço e, transcorrido o prazo previsto no art. 64, §§ 2° e 4° da Constituição, sem apreciação do Congresso Nacional, o Poder Concedente expedirá autorização de operação, em caráter provisório, que perdurará até a apreciação do ato de outorga pelo Congresso Nacional." (NR)
De se destacar que as regras do art. 2º acima transcritas são vigentes apenas e tão somente para as rádios comunitárias e não para as demais emissoras de rádio e televisão.
De verdade ou na prática, entretanto, os processos, mesmo os mal ou indevidamente instruídos, tramitam em longos anos e, enquanto isso, as emissoras continuam funcionando, ainda que formalmente de modo precário (a situação de fato tem precarizado ainda mais o que já é por natureza precário) e meritualmente de forma inconstitucional (art. 9º, ao final), mas, sempre, com os beneplácitos e a proteção do Estado.
As concessões são, por lei e por natureza jurídica, precárias e com data para vencimento e renovação, sob determinadas condições legais e constitucionais, o que não impede que os concessionários ajam como "proprietários" e perpetuem a condição precária sine die.
A lentidão do processo (seja por responsabilidade dos requerentes ou do Poder Público) e a falta de fiscalização efetiva ou séria criam uma situação própria para casos mencionados de emissoras que, há mais de 20 anos, funcionam com a outorga vencida e/ou com o processo parado por falta de documentação. É público, então, que muitos concessionários de radiodifusão no país não cumprem as formalidades burocráticas exigidas para as renovações.
E a desídia do Poder Público não se resume, contudo, ao lento tramitar dos pedidos.
Segundo estudo da Consultoria da Câmara dos Deputados, da lavra de Cristiano Aguiar Lopes, há na Câmara 44 Projetos que intentam melhor regular a matéria, muitos datando de 1998.
A parafernália de leis, regulamentos, decretos, instruções, medidas provisórias e atos administrativos menores fazem a regulação das telecomunicações no país confusa e desnecessariamente extensa, suscitando as inúmeras tentativas de melhor fixação das regras.
Esta circunstância, aliada À má-fé de algumas emissoras, é o campo propício a desmandos, ilegalidades e inconstitucionalidades, a começar pela ausência de outorga ou renovação válidas.
Ademais, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) estava com 225 processos esperando complementação dos documentos, obedecendo às orientações do Ato Normativo nº 1/99 da Comissão. São pedidos de renovação e concessões de televisão e rádio comerciais, que em sua maioria têm pendências administrativas, referentes a regularidade fiscal e habilitação jurídica. Como se sabe, a Comissão da Câmara dos Deputados tem que votar a renovação das concessões, entretanto faltam informações básicas, como o nome do responsável pela concessão.
Em reunião da comissão na Câmara dos Deputados, em 31 de maio o presidente Vic Pires Franco (PFL-PA), avocando a relatoria do processos, decidiu conceder um prazo de 30 dias para que os pendentes enviassem os documentos faltantes, sob pena de emitir parecer pela não renovação das outorgas das emissoras.
A medida não surtiu efeito, porque até o dia 22 de junho, faltando uma semana para o prazo final, apenas sete delas haviam reenviado novos papéis, conforme levantamento da consultoria jurídica da CCTCI.
De ressaltar-se, também, que o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, solicitou a devolução de todos esses processos de renovação e/ou outorga de emissoras de radiodifusão que se encontram com documentação incompleta e ameaçados de rejeição, mesmo que boa parte desses processos não tenham sido encaminhados pela atual gestão do Ministério.
Ato administrativo extemporâneo e, no mínimo, sujeito a maiores investigações que aclarem as reais intenções do Ministério das Comunicações.
Para complementar o quadro de irresponsabilidades na condução da propriedade pública, igualmente à Câmara dos Deputados, há no Senado, ainda, mais de 40 Projetos de Decreto Legislativo (PDS) de concessão e renovação de outorgas de rádio e televisão parados por inconformidade, aguardando esclarecimento por parte dos requerentes. Estão entre eles pedidos de concessão a rádios comerciais e comunitárias e de renovação de TVs, FMs e AMs comerciais.
É notória, pois, ausência de fiscalização e controle público da radiodifusão no Brasil.
Por fim, a Constituição de 1988 proíbe que deputados e senadores detenham concessão de rádio e TV, mas essa proibição teria de ser detalhada para facilitar o cumprimento da lei (o que, apesar das inúmeras leis acerca do assunto, não há nenhuma que melhor regule o fato de muitos parlamentares possuírem emissoras de rádio e televisão) . Sem a regulamentação da CF/88, não há instrumentos legais suficientemente hábeis e fortes para implementar as decisões acerca das concessões a parlamentares. Existe apenas uma proibição geral (art. 54, inciso I, "a" e inciso II, "a" da CF/88) o que não impede que seja obtida a concessão por terceiros ou laranjas.
Assim, Excelentíssimo Procurador-Geral, com fundamento nos artigos 2º e 5º, I, "h", II, "d", III e IV, todos da Lei Complementar 75, de 1993, requer-se:
1 – o acolhimento da presente Representação, com o devido trâmite no âmbito dessa I. Procuradoria;
2 – nos termos do art. 7º, da LC 75, a determinação de verificação, por intermédio de inquérito civil ou outro mecanismo análogo, pela respectiva Sub-Procuradoria da República ou Câmara Temática, do efetivo cumprimento pelo Poder Executivo, pelas concessionárias de televisão, pelas concessionárias de Rádio e pelo Congresso Nacional, das obrigações da Constituição Federal, art. 223 e da legislação relacionada;
3 – Verificadas irregularidades no cumprimento ou o descumprimento da legislação e da CF/88, que sejam tomadas as providências administrativas, civis ou penais cabíveis, visando o cumprimento da lei e o resguardo dos direitos constitucionais atinentes.
Nestes termos, pede o deferimento.
Brasília, 21 de agosto de 2006.
ORLANDO FANTAZZINI
Deputado Federal"