Considerada um dos carros-chefe da reeleição do presidente Lula, a condução da economia ainda divide diversos setores e especialistas da área e deixa no ar uma interrogação sobre o destino a ser tomado pelo país nos próximos quatro anos: a estagnação ou o crescimento econômico.
De um lado, estão aqueles que aprovam a política econômica ortodoxa, com o controle da inflação como vértice das condutas do governo, e elogiam a atuação da equipe técnica do presidente. Para esses, juros altos, controle da reserva cambial e aumento das exportações são fatores fundamentais para a estabilidade econômica. Nesse sentido, observam, o governo Lula superou quaisquer expectativas.
Do outro lado, a maioria dos críticos enxerga com preocupação o pequeno crescimento do país nos últimos anos, marcado por índices abaixo da média mundial, e avalia negativamente as medidas adotadas pelo governo.
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Ao fim do primeiro mandato do petista na Presidência da República, resta a pergunta: havia outro caminho melhor para a economia brasileira? A divergência na reposta é certa. Entretanto, todos especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco concordam em um ponto: faltou ousadia ao governo Lula para fazer o Brasil crescer, principalmente em função do controle da taxa de juros.
O Comitê de Política Monetária (Copom) tem reduzido a taxa Selic nos últimos meses, mas ainda assim é uma movimentação considerada tímida e tardia pelos analistas. Durante a gestão petista na Presidência, os juros oscilaram em valores muito próximos. A política de redução gradual adotada desde o final de 2005 fez a taxa cair em 11,75%, em comparação àquela entregue pelo governo anterior.
Inflação x juros
O governo Lula recebeu o país com a inflação de 12,53%, em 2002. Em resposta, aumentou rapidamente a taxa Selic, de 25% (dez/2002) para 26,5% (fev/2003) ao ano. Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, Lula assumiu o primeiro mandato em uma situação muito difícil, de crise e desconfiança.
Havia aceleração da inflação e desvalorização do real. Além disso, a dívida pública sofria os efeitos negativos das taxas de juros. “No início de 2003, Lula reverteu essa situação ao encontrar uma política internacional favorável”, explica o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os juros continuaram acima dos 20% até setembro de 2003, quando o Copom sinalizou uma mudança de mentalidade para fazer cortes maiores para fechar aquele ano com 16,5%. A inflação respondeu positivamente e caiu para 9,3% no ano. Por outro lado, praticamente não houve crescimento econômico, com a evolução do PIB inferior a 1%.
Belluzzo acredita que no primeiro momento do mandato de Lula, a política foi correta, uma vez que precisava emplacar a economia e conquistar a confiança. Mas para ele, houve um erro de timing na política monetária e aceitação da desvalorização cambial, o que afetou a exportação e a importação. “Um país emergente não se pode abrir mão da taxa de câmbios e permitir que a indústria manufatureira perca elos importantes”, diz.
Passados os 12 meses iniciais, os índices de inflação continuaram a cair gradativamente durante o primeiro mandato de Lula – 7,6%, em 2004, e 5,69%, em 2005 – resultado da manutenção da taxa de juros entre 16% e 18% nesses dois anos. Como conseqüência da fórmula adotada, a economia do país evoluiu pouco. O crescimento de 5,2%, em 2004, animou o governo, que vislumbrou um vôo prolongado, sonho interrompido no ano seguinte. Em 2005, o PIB cresceu apenas 2,3%, um pouco mais da metade da média mundial (4,3%) e um dos piores índices do mundo, ficando atrás somente do Haiti na América Latina.
Fórmula mágica
Segundo Belluzzo, Lula foi mal na condução da política econômica e agiu de forma receosa para não correr riscos, optando por uma “racionalização vagabunda”. O economista aponta que poderia ter havido uma política monetária mais ousada, que liberasse a inflação para 5% ou 6% ao ano, mas que permitisse o crescimento.
“Não é nenhuma fórmula mágica, como costuma dizer o presidente. Mágica é fazer o país crescer com essa combinação de câmbio e juros”, afirma. Para ele, é necessário ousar para melhorar a economia e, assim, conseguir aliviar a política fiscal e tributária.
Belluzzo diz que o modelo de metas de inflação é “bastante discutível”, uma vez que, com ele, o país só pode crescer desde que não afete a inflação. “Por isso, o país cresceu pouco, bem abaixo do que os outros países emergentes. De bom mesmo, foi que o país conseguiu uma balança comercial muito favorável”, avalia.
Entraves ao crescimento
Outros pontos apontados por Belluzzo para o “travamento” do país são a legislação e a burocracia brasileiras. Para ele, a redução do papel do Estado criou obstáculos legislativos para os investimentos. “Aqui só se pode fazer o que o Ministério Público permite. A burocracia pública é burra e analfabeta em economia. Quem nada de braçadas são os bancos”, critica.
Segundo Belluzzo, as elites do país envelheceram influenciadas por 25 anos de baixo crescimento. Para buscar a solução, recomenda, é necessário um amplo debate e “criar um ambiente para que o setor privado se desenvolva com uma reforma progressiva para pragmaticamente mudar as regras obsoletas.” Beluzzo defende uma reforma gradual, lenta e consistente a fim de estimular a economia a crescer.
Caminho da responsabilidade
O presidente da Associação dos Analistas do Mercado Financeiro (Abamec), Edmilson Loureiro de Lima, diz que o governo atuou com eficiência no controle da inflação. Para ele, o modelo econômico adotado pelo presidente Lula foi do “caminho da responsabilidade”.
“O governo teve a sensatez de não fazer grandes aventuras que poderiam ter quebrado o país”, afirma Loureiro. O analista financeiro afirma que os resultados da estabilidade conquistaram o mercado financeiro, que passou a confiar e, conseqüentemente, investir mais no país.
Como exemplo da confiança internacional, Loureiro aponta o fato de não ter havido fuga de capital durante os períodos mais traumáticos do governo, como na época do escândalo do mensalão. “A bolsa respondeu bem à política econômica. Acho que foi um sucesso”, avalia.
Loureiro reconhece, entretanto, que faltou ousadia do governo no controle da taxa de juros. Para ele, o país poderia ter crescido mais nos últimos anos se tivesse diminuído os juros, mas destaca que esse não era o único ponto para o desenvolvimento.
Impostos e mais impostos
“Com essa alta carga tributária o Brasil não vai crescer. Ninguém consegue pagar os custos dos impostos e isso acaba fomentando apenas o Isso só fomenta o mercado paralelo, ilegal”, comenta. Para Loureiro, é necessário acontecer reformas em áreas urgentes como a trabalhista, previdenciária, fiscal e tributária.
Segundo o presidente da Abamec, o Brasil poderá perder “o bonde do crescimento mundial” caso não se ajuste. Para ele, é urgente o enxugamento dos gastos públicos, pois isso reflete diretamente na economia e afeta o andamento da bolsa.
O investimento na bolsa de valores é, inclusive, outro fator para o crescimento nacional, destaca o analista financeiro: “A utilização do FGTS e a criação dos clubes de investimentos serviram de estímulo para que 27% das pessoas físicas investissem em ações, mas esse número ainda é muito baixo. Existem muitas aplicações em renda fixa e título de governo que podem aquecer o mercado financeiro”.
Cristão-novo
Uma das principais referências no Congresso na área orçamentária, o deputado Sérgio Miranda (PDT-MG) acredita que o governo Lula se rendeu às pressões do setor hegemônico do capital financeiro. Para ele, esse setor potencializou a desorganização e a brutal retirada de dólares e desvalorização da moeda. “Lula tomou medidas de cristão-novo. Para provar que não é judeu, tende a radicalizar”, comenta o deputado, que trocou o PCdoB pelo PDT por se opor ao apoio incondicional dos comunistas ao governo petista.
Miranda avalia que, ao contrário do que é ventilado pelo Palácio do Planalto, a economia não foi bem nos últimos quatro anos. O deputado acredita que Lula não se reelegeu pela ortodoxia econômica, mas pela proximidade com o povo. “Não pode ir bem se tem essa doença tropical da maior taxa de juros do mundo. Esse travamento impede investimento interno.”
Segundo Miranda, a base da política econômica – ortodoxa – foi do superávit primário. “Disseram para o presidente que isso ia impulsionar o crescimento da economia”. Mas o pedetista lembra que em 2003 o crescimento foi quase nulo.
Em 2004, observa o deputado, houve alguma melhora “mínima” e criou-se a “falsa sensação” de que o país estava no caminho correto, mas o retorno do crescimento pífio, em 2005, teria provocado uma preocupação na cabeça do presidente. “Aqueles que prometeram crescimento não entregaram, o Brasil não cresceu”, resume o deputado.
Medidas compensatórias
Sérgio Miranda aponta que, em meados de 2005, Lula passou a tomar algumas medidas para tentar compensar a estagnação. O presidente aumentou a transferência de renda com a ampliação do Bolsa Família; deu um aumento mais significativo para o salário mínimo; voltou a negociar com o servidor público, aumentou os gastos correntes e os investimentos.
Segundo o pedetista, porém, é preciso avaliar os pontos positivos alardeados pelo governo com cautela, como o aumento das exportações e das reservas. O deputado acredita que a conjuntura do cenário internacional, ao longo do governo Lula, favoreceu a condução da economia. “Nesse aspecto, o mérito não é só da política econômica brasileira”, observa.
Para Miranda, a vulnerabilidade do país aumentou porque Lula ampliou a possibilidade dos ativos em reais mudarem para dólares, facilitando a transferência internacional. “Eles podem sair do país a qualquer hora”, afirma.
Perspectiva de estagnação
O deputado diz que a promessa de Lula de destravar a economia não acontecerá, uma vez que o presidente não pensa em mudar a política econômica. “Ele fala em destravar por expressão de vontade, mas não é o voluntarismo que desfaz essa ordem. Nem se discutiram na campanha as ferramentas para se fazer isso”, afirma.
Na avaliação de Sérgio Miranda, os principais problemas do Brasil são o endividamento e a garantia da solvência de dívidas, o fluxo de capital e a falta de investimentos. Se, por um lado, o setor privado não tem investido no país; por outro, o setor público não pode investir porque está amarrado ao superávit, observa o deputado. O pedetista acredita que somente o aumento do PIB poderá resolver os problemas do país, como a própria previdência. “Só se focar na estabilidade sob o custo social não é lógico”, diz.
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