Ricardo Ramos |
Um Silva, sindicalista, retirante nordestino, metalúrgico e fundador de uma das mais fortes organizações de esquerda do país – nenhum parlamentar guarda tantas características em comum com a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP). Dois anos e cinco meses depois de ter trocado o chão das fábricas do ABC paulista pelo salão verde da Câmara, Vicentinho assume uma tarefa para a qual poucos de seus companheiros em Brasília se prestaram até o momento: a defesa intransigente da reforma sindical. Um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, Vicentinho é voz quase isolada ao defender a proposta encaminhada pelo Executivo há dois meses à Câmara. O texto tem sido bombardeado por parlamentares da base aliada e da oposição, por sindicalistas e pelo patronato. Crítico do modelo vigente – que, segundo ele, aumentou o número de sindicatos sem representatividade e enfraqueceu o poder de negociação dos trabalhadores – Vicentinho defende a “reeducação do movimento sindical” e o fortalecimento das centrais sindicais como entes de negociação com os patrões. Leia também “Se alguns companheiros começam a fazer um trabalho contra as centrais sindicais, eles estão, sem querer, fazendo aquilo que o corporativismo sindical sempre fez: proibir a união da classe como um todo. A existência da central significa unir metalúrgico, químico, motorista, construtor civil e professor, por exemplo.”, diz, ao criticar a resistência dos sindicatos de base e das confederações à reforma sindical. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o deputado rebate as críticas feitas por sindicalistas – muitos dos quais, aliás, companheiros de partido – de que a proposta vai dar ao Estado poder para intervir nos sindicatos e enfraquecer o poderio de negociação dos sindicatos de base (leia mais). O petista defende o fim da unicidade sindical (com a possibilidade de haver mais de um sindicato da mesma categoria em um mesmo município), a extinção gradual do Imposto Sindical, a organização dos sindicalistas por local de trabalho e a adoção do substituto processual, mecanismo pelo qual o sindicato terá poder de substituir o trabalhador nas negociações. “Isso vai diminuir em 98% a quantidade de processos, aliviando a Justiça do Trabalho que demora 15 anos para julgar um processo”, afirma. Eventual relator da reforma sindical na comissão especial que vai examinar o mérito da proposta – caso ela seja aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde aguarda parecer – Vicentinho demonstra pouco entusiasmo com a política de combate ao desemprego do governo. Elogia a disposição do presidente, mas reconhece que é preciso fazer mais para não frustrar quem, como ele, conhece de perto o chão da fábrica. “É (preciso) fazer muito mais do que já temos feito. Mas eu confio no presidente Lula.” Para o deputado, o presidente errou ao prometer, na campanha eleitoral, criar 10 milhões de empregos em quatro anos. Congresso em Foco – Com dois anos e cinco meses de governo Lula, o senhor acredita que o trabalhador brasileiro já tem o que comemorar? Vicentinho – Eu acho. O presidente Lula fez coisas que o governo FHC não faria. Nem mesmo o José Serra, se tivesse vencido as eleições. Por exemplo, a aprovação do Prouni (programa que concede bolsas de curso superior para estudantes carentes) é uma coisa que atinge diretamente o povo pobre, trabalhador. E é uma maneira de você pensar a próxima geração e não apenas a próxima eleição. Acho que o reajuste de 8,5% acima da inflação para o salário mínimo (elevado no dia 1º de maio para R$ 300), embora ainda seja pouco, é uma tentativa de recuperar o poder aquisitivo. Além disso, houve a decisão do governo de criar uma comissão para tentar recompor o salário mínimo independentemente da data-base. Também acho que o governo passado não faria a reforma previdenciária, que combateu os altos salários, nem a tributária, com a rapidez que foi feita. Eu acredito que demos um salto importante. O senhor acredita que a meta do governo Lula de dobrar o valor do salário mínimo ao final do mandato é factível? Depende da negociação dessa comissão. Se continuar nesse patamar, não vai dar. Tem que haver um acordo. Recentemente fui abordado por representantes de prefeitos que pediram para não aumentar o salário agora. Depois disso, eu apresentei um requerimento à Câmara, outro ao presidente Lula e um terceiro ao ministro Palocci, e sugeri também a eles pessoalmente que, em vez de se discutir um valor anual, criassem um mecanismo que ouvisse todos os setores e se constituísse ali um pacto. Porque para o salário mínimo ser reajustado não depende só da vontade do presidente. Depende também da capacidade do governo em arcar com outras responsabilidades, como a Previdência Social, as prefeituras, os micro e pequenos empresários. “É um erro falar que vai gerar tantos milhões Mas gerar os 10 milhões de empregos prometidos por Lula é possível? É um erro falar que vai gerar tantos milhões de empregos, como é um erro falar que também vai dobrar. Já geramos dois milhões. Você tem que lutar pela geração de empregos. Qual é a ciência que assegura que, daqui a quatro anos, serão criados 10 milhões? Pode ser menos, pode ser mais. Depende da situação econômica do país, do desenvolvimento e tal. Na época (das eleições), eu achava que falar em números era delicado. Era uma meta ousada? Para mim, o importante é o seguinte: havia muitos anos que não ocorria geração de empregos nessas condições. E nós queremos que continue a haver. De algum modo, o crescimento de 5,2% na economia em 2004 se refletiu na geração de empregos? Eu acho que o desemprego tem a ver com o crescimento, evidentemente. Se a proporção é a mais certa, aí só o cientista econômico para falar. Como o senhor avalia as negociações na Câmara em relação à PEC da Reforma Sindical? A proposta está na CCJ para verificar a sua admissibilidade. Faremos algumas audiências e, só então, vamos nos debruçar sobre o conteúdo da proposta. Depois, será criada uma comissão especial (responsável pela análise do mérito). O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), comprometeu-se perante o líder do PT, Paulo Rocha, o deputado Medeiros (PL-SP, ex-presidente da Força Sindical) e a minha bancada que serei eu o relator. Vamos ver a importância da palavra. Se assim for, farei muitos debates com todos os setores. “Não dá para dizer que, agora, a proposta chegará lá e Ela tem força atualmente para ser aprovada? Não dá para dizer que, agora, a proposta chegará lá e passará facilmente. Aqueles que estão contra a reforma têm se movimentado: os sindicalistas conservadores, o patronato atrasado. É preciso haver um processo de convencimento, de explicação da proposta, porque muita gente está falando da proposta sem conhecê-la. Diz uma coisa, você vai no texto e é outra coisa totalmente diferente. Na sua avaliação, quais são os principais equívocos que os críticos da proposta de reforma sindical alardeiam? Dizer que a proposta vai propiciar ao Estado fazer intervenções, como ocorria nos anos 80 (até a promulgação da Constituição de 1988, os sindicatos eram atrelados ao poder público), é uma grande mentira. O Estado jamais vai interferir na vida sindical. Ele vai dar é a personalidade jurídica, como dá para você, para mim, para uma ONG (organização não-governamental). Nada existe sem o Estado. A lei de greve da proposta é melhor do que a atual. Em que sentido? Na questão do piquete, de não criminalizar a própria greve. “Na empresa em que fui empregado por 25 anos, éramos E o argumento de que o fim da unicidade sindical vai aumentar o número dos sindicatos? Isso é uma mentira também. Com a unicidade sindical é que se criaram mais sindicatos. Até 1988, havia 4,8 mil filiados (naquele ano, segundo o Fórum Nacional do Trabalho, havia 9 mil sindicatos em todo o país). Hoje são 18 mil. Na empresa em que fui empregado por 25 anos, éramos um sindicato. Atualmente, há mais de vinte lá. Mas está na proposta a criação de um sindicato derivado a partir de uma central sindical, confederação ou federação. Esse sindicato derivado pode até mesmo negociar no lugar do sindicato de base… A criação de um sindicato derivado só será permitida quando não houver conflito de base (não pode haver mais de um sindicato por ramo profissional atuando na área). Além disso, ele precisará comprovar representatividade e ser criado a partir da organização sindical naquele local (dependendo do número de trabalhadores sindicalizados, será preciso ter na base do sindicato derivado 25% do total da categoria). Não existe isso de uma pessoa vir de fora e impor (um sindicato). O que acontece é o seguinte: se você tiver um sindicato, cuja base for muito grande e não tiver alcance para representá-la, poderá criar uma representação em determinado lugar. Insisto, a criação do sindicato derivado ficará a cargo da central ou de uma confederação… Como a criação da sub-sede dos sindicatos. É o sindicato que vai decidir a quem ficará vinculado: central, confederação ou federação. Vou criar um sindicato derivado, porque sozinho não estou dando conta. Cria-se uma estrutura e organiza o sindicato. E o que o senhor acha da contribuição negocial, que vai substituir o imposto sindical? Eu acho que a contribuição é importante, porque, com ela, o trabalhador não-associado será convidado a participar da assembléia, a decidir. Na hora da campanha salarial, o sindicato também gasta material com ele, que é não-associado, e também fala em nome dele. No fim, a conquista também vai para ele. Não se pode cobrar apenas do associado a despesa de uma campanha salarial para toda a categoria. Isso é para cobrir a despesa da campanha. Outra crítica alardeada é a de que a proposta reforça o poder das centrais sindicais em detrimento dos sindicatos de base… Aí não. A crítica é feita até mesmo por algumas centrais, como a CGT (Central Geral dos Trabalhadores) e a CGTB (Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros). Primeiro, é preciso considerar o tamanho das centrais, o que elas representam no país. Uma central, que representa muito pouco, pode criticar uma maior. Eu aceito essas críticas. Agora, é um erro você achar que uma central sindical está à margem da organização sindical. Ela faz parte da estrutura. “Em todo o lugar do mundo, as centrais A central hoje pode participar, mas não tem poder para negociar acordos. É isso? Até negociava. O que não havia era a legalização do acordo. Não podia fazer contrato coletivo nacional, propor ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ou entrar com algum outro tipo de ação. Queremos é arrumar isso e acabar com a contribuição sindical para o governo, já que atualmente 20% do imposto sindical vão para ele. Agora, as centrais receberão contribuição e farão parte da estrutura sindical naturalmente, porque não são uma coisa à parte. Elas são compostas de trabalhadores também. Em todo o lugar do mundo, as centrais são reconhecidas, somente aqui é que não. Agora está lá no projeto: qualquer decisão feita por central, confederação ou federação sobre o sindicato tem de ser ratificada em assembléia. “É preciso haver um processo de reeducação no movimento sindical para reconhecer as instâncias superiores. O senhor acredita que essa estrutura proposta vai reforçar e legalizar as centrais sindicais que há anos lutam e negociam, como fazem a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Força Sindical? Claro. Quando presidi a CUT, negociei com o Itamar e FHC e fui a audiências com presidentes de tribunais superiores fechar acordos. Só não podíamos entrar com ação, nem legalizar um acordo. Tinha que ser em nome de uma confederação. É preciso haver um processo de reeducação no movimento sindical para reconhecer as instâncias superiores. Se alguns companheiros começam a fazer um trabalho contra as centrais sindicais, eles estão, sem querer, fazendo aquilo que o corporativismo sindical sempre fez: proibir a união da classe como um todo. A existência da central significa unir metalúrgico, químico, motorista, construtor civil e professor, por exemplo. Houve consenso entre patronato, sindicalistas e o governo nas negociações do Fórum Nacional do Trabalho? Houve uma tentativa de conciliação. O objetivo do Fórum era tentar buscar um consenso. As partes nas quais houve acordo foram encaminhadas para o Congresso. Nas partes em que não foi possível atingir consenso, o governo assume a responsabilidade de apresentar a proposta que achar melhor. A grande crítica contra a reforma sindical é de que não houve qualquer consenso e, no momento, o Executivo tenta jogar a maior parte da PEC para o Congresso Nacional. Isso é uma desculpa. Sabe por quê? Porque, diferentemente das reformas previdenciária e tributária, na reforma sindical houve um fórum composto por representantes de todas as categorias. Além disso, várias das propostas já eram conhecidas dos críticos há anos. Por exemplo, acabar com o imposto sindical, coisa que é preciso ter coragem de realizar. Há anos se discute isso. Se você perguntar se a base quer o fim do imposto sindical, claro que ela vai querer. Se ela quer decidir sobre o dinheiro que quer dar para o sindicato, ela vai querer isso. Liberdade e autonomia sindical também. O fórum foi uma tentativa. Por mais audiências que você faça, continua a divergência. Alguém pode reclamar. Mas é apenas reclamação. Você tem que olhar o conteúdo da proposta. Se a metodologia não foi a melhor, então analisemos a proposta. É sobre ela que eu me debruço e desafio qualquer companheiro a discutir comigo. Quais outros pontos o senhor considera importantes para o trabalhador na proposta de reforma sindical? Primeiro, a organização por local de trabalho. Isso é muito importante, porque resolve o problema dentro da fábrica, com a representação sindical no local de trabalho. O companheiro estará lá protegido, porque haverá um dirigente sindical lá na fábrica. Segundo ponto: o substituto processual. O sindicato tem o poder de substituí-lo, a responsabilidade é do sindicato. Ele é que terá o poder de negociação, de resolver conflitos. Hoje 80% dos processos que estão na Justiça do Trabalho são de trabalhadores desempregados. Os 20% restantes são de empregados que abrem processos contra a empresa onde trabalhavam anteriormente. Por que acontece isso? Porque o trabalhador não vai abrir processo contra a empresa em que trabalha, senão ele é mandado embora. Isso vai diminuir em 98% a quantidade de processos, aliviando a Justiça do Trabalho que demora 15 anos para julgar um processo. Agora a decisão sairá em questão de um ano ou meses. Vai ser uma vitória para os trabalhadores. Terceiro ponto: a proteção contra a política anti-sindical. Patrão só demite porque não gosta de empregado em assembléia. Não vai poder mais. Está assegurado na proposta. É importante também o estímulo, sobre todos os aspectos, à negociação. Não haverá mais um vácuo quando a convenção coletiva acabar. A proposta prevê um prazo para negociar, além de espaço para a arbitragem, em último caso. Mas isso se ambas as partes quiserem. A Justiça vai analisar o direito e não vai criar mais normas, porque as normas às vezes não representam nem um lado nem outro. É a questão do poder normativo. Essa proposta é extremamente importante, fortalece o movimento sindical e é boa para a classe trabalhadora. Ela não retira direitos. O senhor acredita que vão acabar, por exemplo, as críticas de que, numa assembléia, 10% da categoria decidem por todos? Isso vai acabar, sim. Inclusive, vai haver exigência para isso. Quando alguém for convidado para decidir sobre o seu pagamento, você verá como vai gente na assembléia. Hoje você não é convidado. A reforma sindical será aprovada até o fim do ano que vem? Claro. Temos este ano e o próximo para nos debruçar sobre ela. Se fizermos um cálculo frio, a aprovaremos este semestre na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). E, no próximo, a discutiremos e a aprovaremos no âmbito da comissão especial. Ela poderá ser votada ainda este ano. Cerca de 50% da economia brasileira estão na informalidade. O que o senhor tem feito, como parlamentar, para reduzir essa economia paralela? Sou autor de um projeto que concede renúncia fiscal nos primeiros anos de vida das micro e pequenas empresas. No primeiro ano de vida, essas empresas pagarão 0% de impostos federais. No ano seguinte, pagarão 40%. No terceiro ano de vida, pagarão 80%. E, a partir do quarto ano, pagarão os impostos federais integralmente. Se isso for aprovado, um governo de Estado e uma prefeitura municipal poderão fazer o mesmo. Tudo isso, desde que assinem a carteira e paguem todos os direitos trabalhistas e a previdência social. Este é, para mim, o caminho: valorizar a micro e pequena empresa, dando uma atenção especial a ela. Não dá para querer que uma empresa pequena pague o mesmo que paga uma empresa gigante. Se for fazer assim, a pequena vai pagar mais. Porque uma coisa é 10% de R$ 100. E outra é 10% de R$ 10 milhões. O senhor tem o respaldo do PT para que esse projeto vá adiante? O PT não se manifestou nenhuma vez. Representantes do governo pediram para que eu retirasse o projeto de pauta por um período, e eu retirei. “Espero que Lula, meu presidente, negociador como é, lembre-se da minha experiência em trocar impostos por produção” O que o governo argumenta? Pediram para retirar porque querem discutir mais a questão. Espero que Lula, meu presidente, negociador como é, lembre-se da minha experiência em trocar impostos por produção. Foi assim que nós fizemos em 1992, quando presidi o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Nós reduzimos o IPI e o ICMS. Como caiu o preço do carro, as vendas aumentaram de 950 mil veículos para 2 milhões de unidades, e o Estado (de São Paulo) e a União arrecadaram mais. É apostar. Então esse projeto não está retirando tributos. Por quê? Porque é do nada. Do nada, você vai arrecadar o quê? Ao nascer, não se deve cobrar (impostos) por um período da empresa. Que se arrecade a previdência, o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e outros direitos incluídos no direito trabalhista. O senhor acredita que o presidente Lula tem se esforçado para reduzir esse estado paralelo? Acho que sim, na medida em que ele tem dado, primeiro, apoio extraordinário à agricultura familiar e à questão do microcrédito. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Banco do Brasil ajudam o pequeno a crescer. É claro que o governo tem de contemplar as expectativas. Está vindo aí, inclusive, a Lei Geral das Micros e Pequenas Empresas. Então, o senhor ainda acha que é o momento de se esperar? É (preciso) fazer muito mais do que já temos feito. Mas eu confio no presidente Lula. Leia ainda: |