Eduardo Fernandez Silva *
Sete trilhões de dólares foi quanto os governos despejaram para sustentar os mercados até janeiro último, disse, em Davos, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Os analistas acreditam que ainda mais dinheiro será necessário, principalmente para resolver o problema do dito “lixo tóxico” – curioso eufemismo para não falar nos “efeitos da imprevidência dos gestores dos mercados financeiros”.
Assim, mais dinheiro será necessário. Lawrence Summers, assessor especial do Obama, em entrevista ao Financial Times do último dia 9 de março, propôs que os governos injetem mais dinheiro na economia de maneira coordenada, para reforçar a demanda e tirar o mundo da recessão. Convém indagar, pois, como poderiam ser aplicados tais recursos. Aliás, o presidente Lula, parece, levará à próxima reunião do G20 proposta de um plano global para redução da pobreza como forma de combater a crise. Se as duas propostas se somarem, possivelmente teremos um caminho para sair da crise.
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Vejamos, então, o que significam US$ 7 trilhões.
A população do planeta é hoje da ordem de 6 bilhões de humanos, que enfrentam riscos à sua sobrevivência como espécie e organizam-se em famílias, cujo tamanho médio fica entre quatro e cinco indivíduos. Há, pois, cerca de 1,34 bilhões de famílias na Terra. Se o dinheiro injetado “nos mercados” – outro eufemismo – fosse dado, no montante de US$ 10 mil para cada família, uma de cada duas seria beneficiada. Digamos que tais recursos fossem dados aos mais pobres, e não aos mais ricos, como tem ocorrido com os planos de combate à crise até agora divulgados.
Com tal grana, esse grupo de metade das famílias de humanos poderia construir casas, comprar remédios, pagar escolas, comprar roupas, eletrônicos e até mesmo poupar, contribuindo para restaurar o crédito e, acompanhado das medidas institucionais adequadas, criar um novo sistema financeiro. A lista de compras, aliás, seria tão vasta e em tal montante que, muito provavelmente, o desemprego desapareceria rapidamente e os governos teriam até mesmo que buscar alternativas para evitar um surto inflacionário.
Porém, as melhorias na saúde, habitação, educação, vestuário e segurança que cada família poderia obter, com o dinheiro recebido, ativaria os mercados de produção locais e implicaria, no futuro próximo, aumento de receita pública e queda dos gastos governamentais provavelmente suficientes para reequilibrar as finanças públicas.
Assim, o mito de que tal alternativa é inviável deve cair, como caíram os mitos da eficiência e autoregulação dos mercados. Também deve ser revista a noção keynesiana de que o governo deve injetar recursos para reativar a economia; importância no mínimo igual deve-se dar à questão de onde, em quê, para quê e para quem o governo injeta dinheiro.
Além disso, os humanos poderiam usar a oportunidade para redefinir os rumos do seu desenvolvimento, ao invés de buscar restaurar “um sistema para o crescimento que depende de nós construirmos mais e mais lojas para vender mais e mais coisas produzidas em mais e mais fábricas na China, movidas a mais e mais carvão que causa mais e mais mudanças climáticas para que a China ganhe mais e mais dólares para comprar títulos dos EUA para que este tenha mais e mais dinheiro para construir mais e mais lojas para vender mais e mais coisas que empregarão mais e mais chineses…” (Friedman, Thomas, The New York Times, 07/03/08, com adaptações).
Ainda há tempo para as mudanças, que são imperiosas e ainda mais amplas do que aqui sugerido; haverá lideranças capazes de botar os guizos nos gatos e mobilizar populações para promovê-las?
*Economista e consultor legislativo da Câmara, especializado na área de economia e desenvolvimento econômico, é ex-secretário-adjunto de Assuntos Metropolitanos e do Trabalho do governo de Minas Gerais. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Brasília.
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