A oposição capitaneada por PSDB e DEM, agora oficialmente engrossada pela maioria do PMDB, tem longo histórico na prática de várias das acusações que agora atribui à administração Dilma Rousseff e à sua base partidária. Soa cômico, ainda, que uma comissão com farta representação de políticos sob suspeita tenha nas mãos a incumbência de se manifestar sobre o pedido de impeachment da presidente.
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Tão incrível quanto o circo do impeachment, e seus risíveis paladinos da moral e dos bons costumes, é o esforço feito pelo que sobrou da coalizão governista para desqualificar qualquer crítica à sua atuação. O discurso palaciano é um convite desavergonhado à esquizofrenia. Não, não há incompetência. Não, não existe corrupção organizada em escala inédita. O desemprego, a paralisia dos investimentos, a lama que engoliu o Rio Doce, o colapso da saúde, o desarranjo político, a degradação da moeda nacional e tudo o mais que nos atormenta hoje são – de acordo com essa amalucada retórica – delírios. Alucinações manhosamente inoculadas no imaginário coletivo pela nefasta aliança de Judiciário, Ministério Público e imprensa.
A despeito dos nítidos exageros que essas três instituições têm cometido (e que merecem mesmo ser identificados e combatidos, como vêm fazendo petistas e aliados), é forçoso reconhecer que “o partido no poder só pode debater ética se valendo de cegueira seletiva e contorcionismo verbal”. O trecho entre aspas está em um artigo que o Congresso em Foco publica hoje com imensa alegria. Seus autores, o cientista político Ricardo de João Braga e o sindicalista João Aurélio Mendes Braga de Sousa, são servidores públicos providos de uma coragem que, neste momento crítico da história brasileira, tem faltado às sectárias legiões que se reúnem hoje em torno seja do petismo desvairado, seja do antipetismo brucutu.
Enquanto grande parte da academia e do movimento sindical fazem coro à teoria do golpe, Ricardo e João Aurélio colocam o dedo na ferida. Condenam as contradições do PT. Lamentam o fanatismo político dos que “não se dão conta de que a esperteza dos que enriquecem a olhos vistos se legitima na ingenuidade dos que acreditam cegamente”, como o sândalo que perfuma o machado que o leva ao chão. Proclamam o fim do projeto petista e da esquerda que tenta lhe dar sobrevida. Mas expõem com a mesma dureza o oportunismo e a hipocrisia da oposição.
“Diante da falta de autocrítica da esquerda e de sua alienação da realidade, a direita apenas se postou no papel reativo de moralista, de defensora dos valores tradicionais da sociedade. Se o projeto de esquerda findou, o da direita não surgiu. Enquanto um teima em não enterrar os mortos e seguir para novas ações, o outro apenas aguarda como um urubu”, escrevem eles.
Manifestam estranheza com o imobilismo de direita e esquerda, com a sua incapacidade de explorar de forma inovadora e ambientalmente correta as potencialidades de uma nação “que provavelmente é o país com mais oportunidades de investimento no mundo”. E ironizam o DNA da direita brasileira: “São humanistas contra o amor, cristãos que criminalizam crianças. Advogam liberdades individuais cultuando caciques; são liberais viciados em benesses estatais, bancam a pauta pseudo-moral com dinheiro cuja origem é exatamente aquela que pensamos que seja. Ridículos aquém do humor”.
João Aurélio e Ricardo falam, com um refinamento intelectual que em nada atrapalha a clareza do texto, aquilo que muitos de nós sabemos. Por que, então, as multidões se formam ao redor não dessas verdades flagrantes, mas de palavras de ordem ocas e de líderes envelhecidos (às vezes, também envilecidos)? Quando tais líderes, à direita e à esquerda, no campo do governo ou da oposição, descerão do palco e deixarão de encenar o horrendo pastiche teatral que ora assistimos? Ou a reflexão proposta pelos autores do artigo é levada a sério, e resulta em ações realmente renovadoras, ou continuaremos a afundar numa crise que vai além do que poderia imaginar o pior dos pessimistas.