Caio Tendolini *
O que mais escuto hoje, de pessoas que trabalhavam no governo e até de quem saiu às ruas a favor do impeachment, para derrubar a presidente, é que “não há luz no fim do túnel”.
De fato, a perspectiva da política nacional é tenebrosa, capaz de desanimar até o mais esperançoso. Até hoje não vi ninguém celebrar Temer, e cada vez menos vejo gente torcendo para que Dilma volte.
Fica cada vez mais claro que o sistema político como o conhecemos está corrompido. Do sistema eleitoral ao presidencialismo de coalizão, nenhum governo se safa do fisiologismo e patrimonialismo enraizados na política brasileira. E ao olhar para a complexidade do problema, dá vontade de desistir e ir tocar a vida.
Mas a política é inevitável. Não importa se você a entende, percebe ou não, ela te afeta todos os dias, o dia todo.
Mas se não podemos desistir da política e não vemos luz no fim do túnel, o que podemos fazer?
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Experimentamos
Se não criarmos ações capazes de desafiar o sistema político atual, dificilmente veremos alguma transformação duradoura. Desafiar a estrutura em sua forma, tensionando o seu funcionamento.
Assim, o importante é encontrar por onde começar. Nós optamos pelas eleições.
Cerca de 3 meses atrás, nós começamos a Bancada Ativista — um movimento suprapartidário de cidadãs e cidadãos da cidade de São Paulo, com atuação em múltiplas causas sociais, econômicas, políticas e ambientais, que se uniu para dar suporte a pré-candidaturas de ativistas ao poder legislativo nas eleições de 2016.
Juntos, temos dois objetivos: eleger ativistas para a Câmara de Vereadores de São Paulo e aprender como fazer campanhas eleitorais que fujam da lógica de dinheiro>voto e pragmatismo>programa.
Abaixo, segue uma mini receita de como rodar um experimento nesse sentido:
Ingredientes
- Apetite pelo risco de fazer algo sem ter certeza do que vai acontecer.
- Pessoas comprometidas a dar seu tempo, energia e coração para uma construção coletiva, arriscada e sem garantias.
- Ativistas, com construções sólidas na sociedade civil, dispostos a serem candidatos num cenário onde a política é tóxica e as barreiras de entrada são altíssimas.
- Pelo menos um espaço físico capaz de acolher reuniões periódicas (vamos chamá-lo de caldeira)
- Conteúdo desenvolvido na sociedade civil sobre as causas e pautas que queremos ver na política institucional.
- Conexões com os coletivos, movimentos e iniciativas que desenvolvem essas pautas para qualificar a reflexão sobre a cidade.
Modo de preparo
1 – Encontre as pessoas comprometidas dentro de suas redes
[há vários tipos de compromisso, mas cuidado com pessoas que gostam de dar pitacos mas não gostam de trabalhar, elas podem estragar a receita]
2 – Mapeie os ativistas em suas redes dispostos a lançarem candidaturas
[aqui é importante garantir diversidade de pautas, partidos e territórios na cidade. E lembre-se, sempre haverão outras candidaturas ativistas que podem surgir ao longo do processo, é importante encontrar critérios para decidir como se relacionar com elas]
3 – Misture-os em uma caldeira
[pode começar com uma, mas é importante utilizar caldeiras diferentes ao longo da receita]
4 – Aqueça com reuniões semanais e veja o conteúdo e conexões ferverem
[toda pessoa tem conteúdo e conexões, descubra formas de revelá-las e conectá-las ao processo. Respeite a disponibilidade de cada um, mas compreendendo que quem se dedica mais se apropria mais do processo]
5 – Forme o caldo
[é importante encontrar um alinhamento mínimo. Nós trabalhamos em cima de princípios e práticas de campanha. Lembrem-se: vocês partiram de redes próximas, ou seja, tendem a concordar muito mais do que discordar]
6 – Mãos à massa
[separe grupos de trabalho e um processo de tomada de decisão coletiva. Encontre um alinhamento mínimo, e deixe o trabalho e a troca ir revelando as discordâncias e permitindo os ajustes]
7 – Dê um nome ao prato para construir identidade coletiva
[nós chamamos de Bancada Ativista, mas pode ter qualquer nome que gere pertencimento no grupo]
8 – Ponha na mesa para todos verem
[mesmo com dúvidas, crie canais de comunicação e faça um evento de lançamento para mostrar à redes mais próximas que esse grupo existe. Lembre-se de manter o código do processo aberto]
9 – Planeje a ordem dos pratos
[a partir dos recursos disponíveis, planeje e organize para otimizar o processo. Cuidado para não achar que a receita vai resolver todos os problemas, isso pode inviabilizar que ela se concretize]
10 – Compartilhe a receita
[esse é um processo de aprendizado. Crie um repositório e estimule com que todos os participantes façam registros (vídeo, texto, fotos, snapchats, twitters, mediums,etc) dos aprendizados individuais e coletivos nesse processo para que possam ser replicados (e incrementados) por outros]
É importante ressaltar que a receita acima ainda está incompleta, pois estamos no meio do processo, e ainda não sabemos direito o que vai sair dela. E lembre-se que toda receita tem pitacos autorais dos seus criadores. Então, essa fórmula pode ganhar novos ingredientes ou processos para ter a cara local do seu movimento.
*Caio Tendolini é economista e apaixonado por projetos coletivos de impacto positivo na sociedade. Atualmente é colaborador dos projetos Update Politics e Bancada Ativista.