Celso Lungaretti*
Em reunião que manteve em Brasília com seu congênere colombiano Juan Manoel Santos, o ministro da Defesa Nelson Jobim começou a articular com ele "uma espécie de pacto contra as Farc", segundo a Folha de S. Paulo.
O jornal atribui a Jobim a revelação de que "uma das medidas em estudo é a flexibilização do espaço aéreo para que as aeronaves dos dois países possam ultrapassar as fronteiras até 50 quilômetros".
E cita uma declaração literal do próprio Jobim: "As Farc serão, em território brasileiro, recebidas a bala. Há um grande controle da fronteira. Vamos discutir com a Colômbia a questão da visibilidade do espaço aéreo. Cinquenta quilômetros adentro, para ver os aviões e barcos que vêm em direção ao Brasil, e vice-versa".
Como no Caso Battisti, a direita brasileira quer fazer de nosso país uma casa da sogra, contemplando os interesses estrangeiros ao preço de avacalhar nossa soberania.
Não cabe ao Brasil receber as Farc nem ninguém a bala, a menos que venham atirando. Nosso papel é apenas o de não deixá-las entrar ilegalmente em nosso país.
Qualquer atitude além desta implicará tomarmos partido num conflito que não nos diz respeito, assumindo uma posição de ingerência em assuntos internos de outra nação (pouco importando o consentimento ou não dos governantes colombianos).
E é simplesmente inqualificável que um ministro da Defesa brasileiro admita, com tal desfaçatez, a possibilidade de conceder a militares colombianos o direito de invadirem a bel-prazer nosso espaço aéreo — ainda mais se levarmos em conta que eles não hesitaram em dizimar combatentes da Farc no Equador, ao arrepio de todas as normais internacionais.
A licença para invadir acabará sendo licença para matar, ou seja, uma versão recauchutada da escabrosa Operação Condor.
Eu sei. Os leitores sabem. Jobim também sabe — e não liga. Para quem não se lembra, ele é quem lidera, no Ministério de Lula, a corrente empenhada em manter intocável a anistia concedida a si próprios pelos torturadores brasileiros antes da redemocratização do país. É uma posição bem coerente com sua fanfarronice de mandar receberem a bala os guerrilheiros colombianos.
Para o jornalista e historiador Procópio Mineiro, um dos redatores dos Cadernos do Terceiro Mundo, "será inconcebível uma permissão para que aviões colombianos possam circular em nosso espaço aéreo amazônico". E ele explica o porquê:
– Há seis bases norte-americanas em território colombiano. O Exército brasileiro está transferindo guarnições para a Amazônia e reforçando os sistemas de defesa da região, exatamente diante da perspectiva de agressões estrangeiras. Esta permissão de voos colombianos em nossa Amazônia agride não apenas nossa soberania e ameaça nossa segurança, como significa uma decisão diplomática de intervir numa guerra civil com a qual nada temos que interferir. Jobim atropelou o Itamaraty e o presidente e planejou uma ação que trai nossa soberania e ridiculariza a preocupação das próprias Forças Armadas com a segurança de nosso território.
Se Jobim confirmar os termos da entrevista concedida à sucursal de Brasília da Folha, só caberia uma atitude a um governo cioso da soberania nacional: sua exoneração.
Ele está agindo como ativista da direita sul-americana, não como Ministro da Defesa brasileiro. Que vá exercer esse papel fora do Ministério!
*Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que publica textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
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