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No ano passado, o deputado Maurício Rands (PT-PE) encabeçou, ao lado do deputado Vicentinho (PT-SP), uma proposta de emenda constitucional que prevê o fim da unicidade sindical, a extinção gradual da contribuição sindical e a cobrança de contribuições compulsórias somente dos sindicalizados. O eixo da proposição é o mesmo que será apresentado como produto das discussões do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite formada por representantes do empresariado, do governo e dos trabalhadores, que há um ano discute a reformulação do sindicalismo brasileiro. A proposta ainda enfrenta resistências dentro do movimento sindical, "um setor minoritário", na avaliação de Rands. Segundo o deputado, a reforma sindical vai fortalecer o poder de barganha dos sindicatos, ao torná-los mais representativos. “O que precisamos, para tornar a lei trabalhista mais adaptada à conjuntura da economia e da sociedade, é estabelecer pressupostos para o fortalecimento dos sindicatos”, defende o ex-advogado da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Pernambuco. Leia também Entre outras mudanças, a reforma prevê o reconhecimento das centrais sindicais, como CUT, Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e Força Sindical (FS). Elas passarão a ser representantes de fato dos trabalhadores. A alteração tem causado irritação nas federações dos empregadores e dos empregados. A proposta estabelece o fim dos dissídios coletivos e da data-base, período determinado para a negociação entre patrões e funcionários (leia mais).
Maurício Rands – A CCJ vinha sendo muito bem conduzida pelo presidente Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), que partilha de visões muito próximas das minhas, no sentido de que a mudança legislativa no Brasil deve ser para viabilizar os direitos da cidadania. Procuramos imprimir prioridade a todas as proposições que venham reforçar ou estender os direitos sociais, econômicos, de educação e saúde, à não-discriminação e de acesso ao Judiciário. Tudo aquilo que vier reforçar a cidadania terá prioridade na Comissão de Constituição e Justiça. "Tudo aquilo que vier reforçar a cidadania terá Além de presidir a CCJR, o senhor é vice-presidente da Comissão Especial da Reforma Trabalhista e Sindical, ou seja, vai analisar essas emendas duas vezes. É possível avançar na reforma sindical ainda este ano, apesar da pressão do calendário eleitoral? A reforma sindical vai ser enviada este mês pelo presidente Lula, a partir das conclusões do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), que reuniu empregadores, empregados e instituições públicas da área trabalhista e construiu consensos progressivos. Acho que o debate será muito bom para fazermos a transição do regime corporativista herdado dos anos 30 para um regime de maior autonomia e liberdade sindical, um modelo que equilibre mais o poder de barganha dos sindicatos ao torná-los mais representativos. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro (PTB-PE), tem condicionado a retomada do crescimento da economia à flexibilização da legislação trabalhista. O empresariado tem razão? Alguns setores do empresariado julgam ser a flexibilização a panacéia para a solução do mercado de trabalho. O mercado de trabalho é muito flexível no Brasil. Os direitos trabalhistas, que são considerados rígidos, são negociados na Justiça do Trabalho, quando o empregado é demitido. Já existe, portanto, muita negociação. O problema é que a negociação é feita individualmente e depois do fim do contrato de trabalho na Justiça trabalhista. Ela deveria ser feita coletivamente e na vigência da relação de emprego. O que precisamos, para tornar a lei trabalhista mais adaptada à conjuntura da economia e da sociedade, é estabelecer pressupostos para o fortalecimento dos sindicatos. É isto que deve ser feito na reforma sindical: oxigenar, dar maior legitimidade e proteger os sindicatos contra a retaliação dos empregadores, ou seja, fazer com que os sindicatos sejam democráticos, representativos e tenham poder de barganha na negociação. "Alguns setores do empresariado julgam ser Se a reforma é para fortalecer os sindicatos, por que ainda existe polêmica entre os próprios sindicalistas quando se propõe o fim do imposto compulsório e da unicidade sindical? A resistência vem de setores minoritários, que insistem com a unicidade sindical, que é o monopólio da representação, aquele sistema em que o sindicato, pela sua precedência no tempo, tem a prerrogativa legal de representar toda a categoria, mesmo que ele não tenha muitos filiados. Há setores que acham que a manutenção do sindicato tem de ser pelo imposto sindical, pela contribuição obrigatória. Eu considero a solução do Fórum Nacional do Trabalho muito criativa. Em primeiro lugar, na questão do monopólio, a proposta diz que os sindicatos terão que comprovar representação, ou seja, um percentual mínimo de filiação de trabalhadores, algo em torno de 20%, o que dá legitimidade e força aos sindicalistas. O sindicato que tenha representação comprovada poderá ter exclusividade de representação se estiver obedecendo o estatuto. E quanto ao financiamento dos sindicatos? A proposta definida no FNT é pegar aquelas quatro contribuições existentes e transformá-las em duas, eliminando-se a contribuição sindical obrigatória e a contribuição federativa. Permanecerá apenas uma taxa negocial, uma vez por ano, para o sindicato arcar com os custos da negociação coletiva e a mensalidade, que é aquela contribuição que cada sócio dá ao sindicato uma vez por mês. "Setores minoritários insistem na unicidade sindical, que
Conceitual e historicamente, a estrutura do direito coletivo do trabalho – que é como os sindicatos se organizam, negociam e resolvem os seus conflitos – precede a reforma trabalhista, entendida como a mudança dos direitos individuais do trabalho, a disciplina que trata das férias, da jornada, da hora-extra e do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Devemos fazer primeiro a reforma sindical porque ela vai estabelecer a forma com que os sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores vão se relacionar e não como eles vão criar e aplicar o direito do trabalho. Quando os trabalhadores começaram a se organizar na Inglaterra, em Manchester, Liverpool e Leeds, as primeiras intervenções do Estado no Legislativo foram para disciplinar a greve, os sindicatos, os direitos dos trabalhadores nas entidades sindicais. O governo Lula enfrentou desgaste com o funcionalismo público por causa da reforma da Previdência. O senhor acredita que o desgaste será ainda maior com as reformas sindical e trabalhista? O desgaste com a reforma da Previdência foi bem maior porque contra ela reagiram muitos setores do funcionalismo público. Contra a reforma sindical, são os setores menos expressivos do movimento que se levantam, porque a maioria tomou parte das discussões do FNT. Essa proposta que está sendo trazida ao Congresso não é do presidente Lula, não é das centrais sindicais, nem da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), nem da CNI. Ela resultou de um amplo processo de negociação com todas as entidades que atuam nessa área. Aqueles segmentos que não vão querer bancar a reforma sindical consensual do fórum estão em minoria – e têm todo o direito de exporem suas discordâncias -, mas vão levantar resistências bem menores do que as surgidas na reforma previdenciária. "O desgaste com a reforma da Previdência foi Mesmo na reforma trabalhista? Na reforma trabalhista teremos, por um lado, aqueles que querem flexibilizar, restringir direitos. Por outro, os trabalhadores e o governo, que não pretendem reduzir direitos. O que vamos defender é a remoção de algumas posições da CLT que não fazem mais sentido. O quê, por exemplo? Aquela que disciplina, por exemplo, quantos quilos um trabalhador pode pegar no trabalho manual. Isso não é objeto de lei. Será uma faxina comedida na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como dizia o ex-ministro do Trabalho Jaques Wagner, mas sem restrições de direito. As conclusões do FNT apontam nesse sentido. Os direitos da Constituição e individuais do trabalho que não podem ser objeto de redução através da negociação coletiva devem ser elencados na reforma. "Será uma faxina comedida na CLT, Redução de férias ou fim do 13o salário estariam entre esses direitos a serem preservados? São direitos fundamentais da cidadania de quem trabalha e, por isso, serão mantidos. Não são eles que oneram a folha de pagamento. O custo do trabalho no Brasil é mais onerado por fatores extra-folha, como as contribuições para a Previdência Social, de 20% a 23%, para o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), para o chamado sistema S (SESI, SESC, SENAI e outros), uma série de incidências sobre a folha que, na verdade, não representam custos do trabalho, mas incidências parafiscais que podem ser retiradas. Aí sim estaremos reduzindo custo da força de trabalho no Brasil sem reduzir os direitos dos trabalhadores.
O Sistema S cumpre um papel muito importante de qualificação de mão-de-obra. O Brasil precisa dele, mas talvez seja a hora de rever a forma de financiamento do sistema, porque onera a folha. Ele pode ter outro tipo de financiamento. "Talvez seja a hora de rever a forma de financiamento Que tipo, por exemplo? Recursos do Tesouro ou contribuições das próprias empresas. Isso precisa ser discutido a fundo dentro dessa filosofia de procurar diminuir o custo do trabalho no Brasil apenas através daquelas incidências da folha que não representem direitos dos trabalhadores. Mudando um pouco de assunto, diante das críticas dos adversários e dos aliados de última hora, a bancada do PT começa a afinar o seu discurso na Câmara? É natural que um governo de mudanças suscite resistências. Elas se manifestam, às vezes, de forma oculta como crises aparentes. Essa recente crise tem muito de espuma, foi superdimensionada. O caso Waldomiro é um episódio isolado de um funcionário que procurou se prevalecer das funções de governo que desempenhava. Uma vez diagnosticada a sua má conduta, ele foi isolado e todas as apurações foram determinadas, tanto por sindicâncias administrativas quanto pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. O que importa é que o presidente Lula foi muito firme ao coibir e ao determinar punição rigorosa pela má-conduta daquele funcionário. No decorrer do ano, essa crise aparente vai ser facilmente esquecida, as pessoas vão ver que ela foi superdimensionada porque os programas sociais estão começando a trazer resultado. "O caso Waldomiro é um episódio isolado de um Quais, por exemplo? Na área da saúde bucal ou da saúde em geral temos o Programa da Saúde da Família, que está montando mais de 20 mil equipes ao longo de todo o território nacional. As campanhas de vacinação contra a dengue reduziram sensivelmente a incidência das doenças. O presidente Lula acaba de anunciar R$ 1,7 bilhão para a reforma agrária. Para a agricultura familiar dispomos de um programa de R$ 5,4 bilhões. O governo está com o Programa Cresce Nordeste, com microcrédito na faixa de R$ 3 bilhões. Temos ainda o programa Bolsa-Família, que já contempla 3,6 milhões de famílias, recebendo não mais os R$ 25 em média que recebiam do governo anterior, mas uma média de R$ 73. Todos esses programas vão começar a produzir resultados e a melhorar completamente a vida dos brasileiros. Ao lado disso, irão contribuir para a geração de emprego e renda, que é o que a população mais está querendo. Está faltando ao governo dar maior visibilidade às suas ações, para fazer frente ao que o senhor chama de crise aparente? Creio que há um pouco de deficiência na comunicação. Precisamos informar mais os brasileiros sobre esses programas até para que eles participem, critiquem e aperfeiçoem as ações do governo. "Creio que há um pouco de deficiência na comunicação. Precisamos informar mais os brasileiros sobre os programas (sociais do governo)" O Planalto dá mostras de que está disposto a corrigir essa falha? Acho que isso já está sendo corrigido. O presidente Lula está muito consciente de que é preciso acelerar a execução desses programas. Quando ele deslocou o ministro José Dirceu para a função de articular todas as ações dos ministérios foi uma resposta a isso, à necessidade de tornar as coisas mais ágeis. O primeiro ano foi o da macroeconomia, de arrumar os fundamentos econômicos. Este é o ano da microeconomia, a geração de programas que aumentam a renda e o emprego dos brasileiros. |