Carol Ferrare e Lúcio Lambranho
As recentes denúncias contra os senadores Renan Calheiros (AL) e Joaquim Roriz (DF) não são os únicos problemas enfrentados pelo PMDB no Senado. Maior bancada da Casa, com 20 dos 81 parlamentares, ela também é a campeã em processos criminais. São 23 acusações, que representam 62% dos 37 processos enfrentados pelos senadores no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os problemas começam pelo líder do partido, Valdir Raupp (RO), passam pelo líder do governo, Romero Jucá (RR), e pelo novo presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (TO), e desembocam no mais novo alvo das denúncias, Joaquim Roriz (DF), detentor do maior número de rolos judiciais entre os senadores (veja a relação dos processos).
Dos 20 peemedebistas com assento no Senado, apenas três jamais foram indiciados pela Justiça Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme levantamento feito pelo Congresso em Foco. São eles: Pedro Simon (RS), Paulo Duque (RJ) e Geraldo Mesquita Júnior (AC). Outros 11 já tiveram denúncias arquivadas pelos tribunais.
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Na mira do Conselho após ter sido flagrado em conversas consideradas suspeitas com um dos presos da Operação Aquarela, da Polícia Civil do DF, o ex-governador do Distrito Federal é réu em quatro inquéritos no STF e mais seis ações na Justiça Federal.
Roriz responde a quatro ações por crime contra a administração pública, duas por crime eleitoral, uma por crime de imprensa e a três cujo conteúdo não é informado pela Justiça Federal. Apesar do emaranhado judicial, o senador não pode se queixar das decisões dos magistrados. Além das acusações em tramitação, desde o início de sua vida pública, Roriz já foi réu em outros 17 procedimentos criminais, entre ações penais e inquéritos – todos já arquivados.
Líder sob mira
Já Raupp é o segundo senador em número de questionamentos na Justiça. Aparece como réu em sete procedimentos criminais. São duas ações por crime contra a administração pública, duas por crime contra o sistema financeiro, uma por desvio de verbas e outra que tramita em segredo de Justiça.
A tramitação da Ação Penal 358 é a mais avançada. Em 28 de setembro do ano passado, parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) manteve decisão em primeira instância da 1ª Vara Criminal de Porto Velho (RO) que condenou o líder peemedebista por peculato (desvio de dinheiro público) com pena de seis anos de prisão em regime semi-aberto.
O crime foi cometido, segundo o parecer ao qual este site teve acesso, durante a gestão de Raupp como governador de Rondônia. Em seu parecer, o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, foi categórico ao manter a decisão de primeira instância:
“No caso em apreço, há prova documental bastante para demonstrar a destinação irregular dada aos cheques que se prestaram ao peculato-desvio em favor de terceiros. Os extratos bancários de fls. 104 e 212, do vol. 3, dos autos em apenso, comprovam que os aludidos depósitos jamais transitaram pelas contas da CERON, embora nominais a ela. Os cheques que teriam sido emitidos para aporte de capital social, não integraram o patrimônio ou a contabilidade da empresa.”
A Ceron à qual o procurador-geral da República se refere é a empresa pública de energia de Rondônia, a Centrais Elétricas de Rondônia S.A. A denúncia aponta o desvio de mais de R$ 1 milhão na empresa pública. O Congresso em Foco entrou em contato com a assessoria de imprensa de Raupp, mas foi informado de que o senador não comentaria os processos judiciais ainda em tramitação contra ele e seus colegas de partido.
Presidente do Conselho
Conduzido ontem à noite à presidência do Conselho de Ética, Quintanilha aparece em inquérito por crime contra a ordem tributária. O processo, que tramita em segredo de Justiça, é relatado no STF pelo ministro Cezar Peluso. Por meio de sua assessoria, o senador informou que nunca foi intimado a prestar esclarecimento e que não sabe exatamente qual é a acusação que pesa contra ele.
“Ele não está preocupado e nem tem que estar, porque não há nada contra ele”, disse o assessor que retornou o contato, antes da eleição do colegiado. De acordo com a assessoria do tocantinense, Quintanilha foi incluído pelo procurador da República Mário Lúcio Avelar em uma investigação sobre a destinação de emendas parlamentares de políticos do Tocantins.
Fazendas fantasmas
Outros dois senadores peemedebistas que têm atuado no pelotão de defesa de Renan Calheiros no Conselho de Ética também têm contas a acertar com a Justiça: Romero Jucá e Wellington Salgado (MG), que chegou a assumir por menos de 24 horas a relatoria da representação contra o presidente do Senado.
Salgado é réu em um processo que corre sob segredo de Justiça no Supremo. “Como é segredo de Justiça, não tenho nada pra falar”, respondeu o senador mineiro.
Jucá responde a inquérito por crime de responsabilidade por desvio de recursos. O caso tramita no STF sob segredo de Justiça, assim como uma ação civil pública movida contra ele na Justiça Federal. Procurado pela reportagem, o líder do governo não quis comentar as denúncias.
Segundo a assessoria do senador, a ação civil pública diz respeito “àquela história das fazendas fantasmas”. Em 2005, Jucá deixou o Ministério da Previdência após ser bombardeado por uma série de denúncias.
A mais delicada delas foi a de ter participado de uma operação de empréstimo no Banco da Amazônia (Basa), feita pela Frangonorte (empresa da qual foi sócio), em que fazendas fantasmas teriam sido oferecidas como garantia. O senador sempre negou a acusação.
O sexto peemedebista com pendências judiciais é o senador Mão Santa (PI). O ex-governador do Piauí é alvo de um inquérito por peculato no STF e de uma ação civil pública por improbidade administrativa. Em 2001, Mão Santa foi cassado pela Justiça Eleitoral, sob a acusação de abuso do poder econômico ainda durante a campanha política. Procurado pela reportagem, o senador não quis falar sobre as pendências judiciais.
Partido constrangido
Entre os poucos peemedebistas que se mantiveram independentes desde o primeiro mandato do governo Lula, o senador Garibaldi Alves (RN) reconhece que a atual situação de seu partido “tem sua gravidade e é constrangedora”.
Na opinião do senador potiguar, desde o final da década de 1990, o PMDB já não é mais o mesmo. “Para esses termos, não vejo uma solução em curto prazo porque naturalmente não se mobiliza o partido sem causar determinados constrangimentos”, avalia.
Também integrante do grupo que se autodeclara independente em relação ao governo, Jarbas Vasconcelos (PE) considera que a “decomposição” do PMDB ocorre há pelo menos uma década. “Tudo começou com o oportunismo político nos governos Fernando Henrique e Itamar Franco. Não fazia sentido nenhum apoiar o governo durante todo o mandato e no período eleitoral forçar candidatura própria para presidente, fato que também aconteceu no final do primeiro mandato Lula”, relembra.
Nas últimas semanas, Jarbas fez coro ao grupo de parlamentares que defendem o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado até que seja concluído o seu processo por quebra de decoro. Para o senador, o partido, apesar da atuação histórica na oposição à ditadura, perdeu completamente a identidade. “O PMDB hoje não passa de um satélite do PT. Daqui a três anos, o partido vai apoiar quem o PT mandar para presidente”, ataca.
Supra-sumo do fisiologismo
“Maior amplitude ideológica facilita a absorção de lideranças oportunistas no PMDB. Existe uma seleção muito pequena de novos quadros com nenhum critério”, avalia Cláudio Gonçalves Couto, cientista político e professor do Departamento de Política da PUC-SP.
Segundo o professor, a chamada fase heróica do partido terminou logo após a eleição do Congresso Nacional Constituinte, no final da década de 1980. Na época, a sigla ocupou 54% das cadeiras. Cláudio Gonçalves relembra entre os casos de deterioração do partido a eleição para o governo de Alagoas do atual senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), em 1986. Então no PMDB, Collor foi apoiado por Renan Calheiros.
Outro caso citado pelo cientista político é a briga entre os governadores Roberto Requião (PR) e Orestes Quércia (SP). Requião, durante o seu primeiro mandato, entre 1987 e 1990, criou um disque-Quércia para registrar denúncias contra o colega de partido. “Que partido é esse que comporta uma situação desse tipo? O PMDB é o supra-sumo do fisiologismo e o partido de quem quer jogar em qualquer lado e em qualquer governo”, diz.
Calvário ético
Crítica semelhante é feita pelo ex-deputado Tarcísio Delgado (PMDB-MG), que liderou a bancada do partido na Câmara em 1992. Ex-prefeito de Juiz de Fora e integrante do chamado grupo autêntico do velho MDB, Tarcísio diz ver com tristeza a perda de referencial ético no PMDB. “Hoje vivemos no PMDB a ausência de republicanos que em outras épocas existiam, mesmo que não se concordasse com a nossa postura política”, disse ao Congresso em Foco.
“A agenda do Congresso é negativa e está ancorada na discussão ética. Concordo com o senador Cristovam Buarque quando ele diz que, mesmo que só tivéssemos anjos no Congresso, estaria tudo do mesmo jeito”, avalia o ex-deputado.
O atual “calvário ético” do partido já era apontado por Tarcísio nos últimos capítulos de seu livro A história de um rebelde, em que ele retrata a história do MDB/PMDB durante 40 anos, de 1966 a 2006. Veja:
“O PMDB, ao completar seus 40 anos de existência, vive uma grave crise existencial. Nos últimos 20 anos, ingressaram no partido, nos diversos Estados da União, principalmente no Norte e no Nordeste, lideranças regionais que não tinham e não têm qualquer compromisso com sua história. Na verdade, são lideranças que, de modo geral, estavam do outro lado quando da luta pela redemocratização do país, nos primeiros 20 anos de sua existência.”
As críticas não param por aí. “O PMDB, hoje, para atender à vontade de um grupo de tresloucados, que só pensa nas suas ambições pessoais, sacrifica seu bem maior, que é a defesa da lei e da democracia. Parece ter o partido se esquecido das vitoriosas anticandidaturas de Ulysses Guimarães e de Barbosa Lima Sobrinho, em 1974. O partido nega-se a si próprio. É um grande desastre”, diz o ex-deputado nas últimas páginas do livro lançado no ano passado pela Fundação Ulysses Guimarães.
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